Como já contei aqui, faço há alguns meses um podcast com a Isabella Saes, que conheci nos meus tempos de rádio (OK, foram apenas as quintas-feiras de pouco menos de um ano, mas dá gosto dizer isso, “meus tempos de rádio”); eu era convidada semanal num programa que a Isabella apresentava diariamente, e gostamos tanto do papo que, quando ela precisou se afastar da emissora, decidimos continuar a conversa por conta própria.
Aos poucos, o “Aquelas duas” começa a tomar corpo. Anteontem, por exemplo, fomos conversar com professores da rede pública de ensino no Encontro do Educador, uma espécie de extensão da Ler— Salão Carioca do Livro que, na semana passada, levou 185 mil pessoas à Biblioteca Parque e ao Campo de Santana.
O espaço da Biblioteca Parque não podia ser mais bonito. É ao mesmo tempo amplo e acolhedor, e foi uma alegria vê-lo funcionando tão bem. Havia menos gente do que imaginávamos —muitos professores que viriam do interior do estado ficaram retidos por causa de chuvas torrenciais —, mas ainda assim tivemos uma ótima plateia, atenta e interessada.
O salão da Ler é uma espécie de pequena Bienal, uma miniFlip em que autores e leitores se reúnem festejando livros, ideias e a arte de contar histórias. Por isso o nosso podcast estava lá: porque é disso que ele é feito, afinal. Uma palavra que puxa a outra, uma conversa, muitos ouvidos numa roda em que cada ponto está num lugar diferente.
No primeiro andar da Biblioteca Parque há sofás vermelhos para acolher leitores. Num deles, um siamês dono da casa lambia caprichosamente as partes. Lindo, bem cuidado, pelo visto aceito tanto por funcionários quanto por frequentadores. Não há nada mais civilizado do que um gato numa biblioteca, e fiquei encantada ao vê-lo lá: uma cidade em que gatos e livros se misturam ainda tem salvação.
Uma das professoras me perguntou o que estou lendo e o que recomendaria para os seus alunos.
Estou lendo “The buried”, de Peter Hessler, que escolheu morar no Cairo pouco antes da Primavera Árabe, e que conta como é a vida num lugar em geral caótico num momento de caos excepcional. Hessler, que eu já conhecia de “River Town”, memórias do tempo em que era professor de inglês numa pequena cidade chinesa, descobre personagens fascinantes, encontra paralelos entre a história contemporânea e o tempo dos faraós, e traça o retrato de um país inábil que, por vezes, lembra desconfortavelmente o Brasil.
Para os alunos da professora, supondo que já seriam jovens, recomendei “Enfim, capivaras”, de Luisa Geisler. Comecei a leitura atraída pelo título e pela linda capa de Deco Farkas, mas a história me ganhou: cinco adolescentes passam a noite movidos a refrigerantes, álcool e comida malsã à caça de uma capivara que pode ou não ser real, numa cidade do interior que pouco tem a lhes oferecer. É uma delícia.
Há duas semanas, o livro foi censurado numa feira de literatura numa cidade do interior gaúcho por “linguajar inadequado”. Não sei como fala a garotada de Nova Hartz, mas as personagens de “Enfim, capivaras” falam exatamente como adolescentes.
Pobres desses meninos e meninas criados num ambiente tão obscurantista.
Pobres de nós.
Cora Rónai
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