Embora legítimo na defesa dos interesses das entidades que apoiaram a sua elaboração, o documento da Frente Parlamentar Mista pela Defesa do Serviço Público precisa ser confrontado com dados e informações que jogam por terra as teses que ele busca defender. Afinal, há fartas evidências na direção contrária. Além disso, a necessidade de se reformar a máquina pública não está vinculada ao seu desmonte, mas sim à sua melhora operacional, com impactos positivos significativos também para o servidor público.
O Brasil tem gastos públicos que atingem hoje o equivalente a 39% do PIB. Boa parte disso, com o financiamento da máquina pública. Esse número, calculado pelo Tesouro Nacional com informações de 2016, é muito superior ao que países como México ou Chile gastam e se aproxima dos níveis de gastos observados em países como Inglaterra ou França. Pode-se argumentar (corretamente) que o Brasil, sendo um país em desenvolvimento e com uma população tão carente, deve mesmo ter uma máquina pública maior e mais cara. Verdade, desde que a contrapartida fossem serviços públicos de qualidade e uma população bem atendida. Não é o caso. Estamos dentre os países com pior avaliação na qualidade dos serviços públicos, segundo pesquisa da OCDE. Portanto, relativamente ao que deveríamos estar oferecendo à população brasileira, sim, o Estado no Brasil é muito grande e a máquina pública está inchada, consumindo recursos em níveis e trajetórias que não se refletem na qualidade do serviço público e no atendimento à população.
E a explicação principal está na alocação dos recursos públicos. Gastamos, segundo dados do Banco Mundial publicados recentemente, cerca de 10% do PIB com o pagamento de salários e benefícios a servidores da ativa. Somando as despesas com os regimes próprios de Previdência, chega-se a cerca de 15% do PIB. Como o número de servidores não parece alto em relação à população empregada no setor privado, o gasto de pessoal no serviço público se mostra elevado quando comparado a outros países.
Some-se a isso a desigualdade salarial no setor público brasileiro, há disfunções que precisam ser corrigidas se quisermos melhorar os serviços públicos na ponta, o atendimento ao cidadão. A Inglaterra, por exemplo, gasta cerca de 6% do PIB com salários e benefícios dos seus servidores e tem o melhor serviço público do mundo, segundo índice da Blavatnik School. Além disso, as despesas de pessoal no serviço público brasileiro vêm consumindo parcelas crescentes das receitas totais graças ao crescimento orgânico e vegetativo dos gastos com salários no setor público. Tanto que, entre 2008 e 2018, o crescimento acumulado real do gasto com servidores ativos foi de 26%, ainda segundo o Banco Mundial. Sim, as despesas de pessoal são muito altas e estão descontroladas.
As outras quatro verdades divulgadas como mitos no documento da Frente Parlamentar Mista tratam da ineficiência do Estado, do privilégio da estabilidade, do fato de que chegamos ao colapso fiscal e finalmente da importância das reformas estruturais para a retomada do crescimento. Todas questões amplamente debatidas e amadurecidas e que merecerão mais algumas linhas nesse espaço nas próximas semanas.
Mas vale aqui ressaltar a relevância do tema e comemorar a entrada desse debate na pauta nacional. A construção de uma reforma estrutural da máquina pública se dará a partir do Executivo, passará pelo necessário debate legislativo e pela negociação com os servidores e seus representantes e carecerá do entendimento do Judiciário. Mas para que os resultados convirjam para o seu objetivo, qual seja o de melhorar o funcionamento do setor público brasileiro e garantir que os serviços públicos básicos sejam instrumento de justiça social, gerando igualdade de oportunidades para os mais pobres, ele terá de contar com o envolvimento da sociedade. Daí a importância de deixar claro desde já que verdades são verdades. Não são mitos.
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