quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O nome em vão

Nunca esteve tão em moda a frase do escritor e pensador inglês Samuel Johnson, que, escrita no século XVIII, sobreviveu ao tempo, ganhando um significado mais amplo, terrivelmente atual: “O patriotismo é o ultimo refúgio dos canalhas”.

Referia-se ao partido Patriotas de então, que, para Johnson, estava sendo dominado por políticos oportunistas. O patriotismo tornou-se, ao longo da História, instrumento político de autocratas e populistas, de esquerda e de direita, fazendo jus à ampliação do sentido da frase do pensador inglês. 

Os discursos dos presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, do Brasil, utilizaram-se do termo para defender a tese mais cara aos dois e a vários líderes autoritários espalhados pelo mundo. São os “soberanistas”, que, em nome do patriotismo, vêem em políticas globais coordenadas por órgãos multilaterais como a ONU tentativas de limitar a soberania das Nações. 


As críticas internacionais à política ambientalista de Bolsonaro foram aproveitadas para exacerbar o sentimento patriótico dos brasileiros, ameaçados que estaríamos por países europeus de olho na internacionalização da Amazônia.

O presidente francês Emmanuel Macron caiu na besteira de fazer um gesto demagógico aos eleitores ecológicos, abordando essa ideia como uma possibilidade de resolver as questões ambientais naquela região, e provocou a ira de Bolsonaro e da ala militar nacionalista.

Mereceu as críticas, mas não as ofensas, inclusive pessoais. Fosse um político habilidoso, e não o que vive de confrontos, e quisesse realmente enfrentar a questão ambiental com visão contemporânea, Bolsonaro poderia ter dado uma resposta ao colega francês que o obrigaria a desculpar-se, fazendo desse episódio uma oportunidade de se impor no cenário internacional.

Ao contrário, preferiu apelar para o patriotismo e aliar-se a minoritários líderes de direita e extrema-direita, na vã esperança de que a tese de Steve Bannon e Olavo de Carvalho esteja certa, e que os “soberanistas” prevalecerão no final das contas.

Vários deles estão ficando pelo caminho, e se Donald Trump for derrotado no ano que vem, o projeto vai por água abaixo. Inclusive o de Bolsonaro.

Para nenhuma surpresa, o presidente Donald Trump voltou a defender o isolacionismo, justamente no palco de uma organização que trabalha para dar um sentido de unidade a um mundo cada vez mais interligado. “O futuro não pertence aos globalistas, e sim aos patriotas”, afirmou.

“Globalismo” é como os isolacionistas chamam a globalização, que consideram um movimento esquerdista que tem que ser combatido. O próprio Bolsonaro em seu discurso cravou palavras duras contra valores que considera pervertidos por uma ação coordenada ideológica de esquerda: “a célula mater de qualquer sociedade saudável, a família”; “a inocência de nossas crianças, pervertendo até a identidade mais básica e elementar, a biológica” e até mesmo “a alma humana, para expulsar dela Deus”. 

Sendo Bolsonaro, alinhou-se a regimes retrógrados e líderes autoritários. Criticando a mídia internacional, como faz com a brasileira, aliou-se a autocratas como ele, que não conseguem conviver com críticas. O publisher do The New YorK Times, A. G. Sulzberger, em artigo publicado dias atrás, trata dessa postura de dirigentes autocratas tentando desacreditar a imprensa independente, a começar pelo presidente dos Estados Unidos, que inventou para isso as “fake news”, expressão que tem servido a autocratas em redor do mundo para rebater críticas. 

Entre os extremistas, Sulzberger cita o primeiro-ministro Viktor Orbán, da Hungria, os presidentes Recep Erdogan, na Turquia, Nicolas Maduro, da Venezuela, Rodrigo Duterte, das Filipinas, e Jair Bolsonaro.

Num momento em que Portugal virou um porto seguro para os brasileiros que querem e podem sair do país em busca de um futuro melhor, é sempre bom lembrar que o ditador Salazar, nos anos setenta, pressionado por Portugal ainda ter colônias, cunhou um lema: “Orgulhosamente sós”.

Desse modo, Chico Buarque vai acabar acertando, quando previu em Fado Tropical “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal/ainda vai tornar-se um imenso Portugal”. Só que do tempo de Salazar.

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