domingo, 15 de setembro de 2019

O duplo impacto da soja para o clima

O cultivo de soja vivencia um boom. A última safra rendeu 360 milhões de toneladas, 70% a mais do que há dez anos. Isso é comprovado por números do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). Segundo o órgão, os maiores produtores mundiais são atualmente os Estados Unidos (34%), seguidos de perto pelo Brasil (32%) e Argentina (15%).

O principal destino da soja é a ração animal. Na União Europeia (UE), 87% do grão são transformados em alimento para animais, 6% em biodiesel e 7% em alimento para a população.

O aumento global do consumo de carne está impulsionando a demanda pelos grãos ricos em proteínas. As áreas de floresta desmatada na América do Sul são muito convenientes à produção de soja em larga escala: por um lado, as condições climáticas são boas para o cultivo, por outro, latifundiários administram enormes áreas.

Mais de 95% da colheita consiste em variedades geneticamente modificadas resistentes a pesticidas. Essas plantas servem particularmente bem à produção industrial com pouca mão de obra.


Os maiores compradores de soja para ração animal são a China e a UE. Pequim importou cerca de 84 milhões de toneladas, de acordo com dados do USDA para 2018/2019; a União Europeia por volta de 35 milhões de toneladas.

Com o aumento da demanda por soja para alimentação animal, as florestas estão sendo devastadas para criar espaço para mais cultivo e pastagem. No Brasil, a área de cultivo de soja quadruplicou para cerca de 340 mil quilômetros quadrados nos últimos 20 anos, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Essa terra cultivável corresponde ao tamanho da Alemanha.

Somente na região da Amazônia brasileira, cerca de 437 mil quilômetros quadrados de floresta tropical foram derrubados nos últimos 30 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em parte dessa terra pastam os rebanhos de gado; em outra, cultiva-se a soja.

Em todo o mundo, aproximadamente 10 milhões de quilômetros quadrados de terras agrícolas férteis são utilizados somente para a produção de ração animal. Isso corresponde a uma área quase quatro vezes maior do que a destinada à produção direta de alimentos.

As queimadas e drenagem de regiões pantanosas para a produção de carne fazem parte das emissões produzidas pela agricultura. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, estas representam 23% de todas as emissões globais de gases do efeito estufa. Se forem adicionadas outras emissões da produção de alimentos, como as geradas pelo transporte, esse número aumentará para cerca de 29%.

No atual relatório especial sobre uso da terra e segurança alimentar, o IPCC mostra como a agricultura e a exploração florestal teriam que mudar para que os alimentos e os meios de subsistência da humanidade sejam mantidos e as metas climáticas do Acordo de Paris possam ser alcançadas.

Em seu relatório, o IPCC recomenda que a área utilizada para pastagens e terras agrícolas em todo o mundo diminua significativamente até o final deste século. Os atuais 50 milhões de quilômetros quadrados deveriam ser reduzidos em 20%.

Para retirar o CO2 da atmosfera, o painel aponta a captura do dióxido de carbono via biomassa, através do reflorestamento, como um caminho importante. Novas florestas deveriam surgir nos próximos 50 anos, cobrindo uma superfície de até 7,5 milhões de quilômetros quadrados. Em comparação, a área da UE é de 4,5 milhões de quilômetros quadrados.

Além da agricultura e reflorestamento sustentáveis, o IPCC também recomenda que a humanidade desperdice menos comida e coma menos carne.

"Atualmente, o sistema alimentar é um importante propulsor das mudanças climáticas, do uso excessivo de água e da poluição ambiental. Sem medidas direcionadas, esses efeitos podem aumentar de 60% a 90% até 2050", aponta Johan Rockström, diretor do Instituto de Potsdam de Pesquisa do Impacto Climático (PIK).

"Para manter a produção de alimentos dentro dos limites da exploração do planeta e, portanto, dentro de um espaço de ação seguro para a humanidade, podemos fazer três coisas: comer vegetais mais saudáveis e menos carne, reduzir sistematicamente o desperdício alimentar e aperfeiçoar tecnologias e gestões agrícolas, como o cultivo do solo e a reciclagem de fertilizantes", informa Rockström, copresidente da Comissão EAT-Lancet.

Junto a uma grande equipe de cientistas internacionais, Rockström publicou o relatório Dietas saudáveis de Sistemas Alimentares Saudáveis. Se essa recomendação fosse implementada em todo o mundo, o consumo médio de carne por pessoa seria de cerca de 300 gramas por semana (16 quilos/ano); o consumo de laticínios giraria em torno de 630 gramas por semana (33 quilos/ano).

Na América do Norte e do Sul, Europa e China, consome-se atualmente de quatro a sete vezes mais carne do que o aconselhado. Para os laticínios, o consumo é quase oito vezes maior do que o recomendado, especialmente na Europa e nos Estados Unidos.

"Curiosamente, a simples mudança para uma dieta 'flexitária', baseada em vegetais, pode reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa da produção agrícola. Todas as medidas juntas podem ajudar a manter todos saudáveis, incluindo o planeta", diz Rockström.

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