Walt pergunta “quem irá salvar a Amazônia?”, e parte de uma cena fantasiosa de política internacional de 2025, em que o futuro presidente dos Estados Unidos ameaçaria invadir o Brasil para evitar uma catástrofe global. A provocação é sobre o uso de sanções militares, econômicas e políticas aplicadas a países em crises humanitárias (como anunciou recentemente o presidente Trump à Venezuela), caso se mantivessem as políticas ambientais depredatórias no Brasil. Se a Amazônia é de interesse global e sua destruição terá efeitos para além das fronteiras do país, a analogia parece servir: assim como o direito internacional reconhece a legitimidade do uso da força para salvar povos em extermínio, similarmente o faria para recuperar um bem que é de interesse da humanidade, o meio ambiente.
“Diferentemente de Belize ou Burundi, o que o Brasil faz pode ter um grande impacto”, atesta Walt, que cuida de não fazer uma defesa explícita da intervenção militar, mas de operar no campo hipotético entre o uso legitimado da força para proteger direitos humanos de populações ameaçadas, como ocorre na Síria, ou analogicamente para salvar o meio ambiente. Walt sabe que não é só a história que o separa da realidade de um enfrentamento de potências globais contra o Brasil: é o que descreve como “paradoxo cruel” — os países que mais ameaçam o meio ambiente são também grandes potências nucleares ou econômicas, como China, Estados Unidos, Índia, Japão e Rússia.
O paradoxo é ainda mais cruel do que traça Walt: poder militar e econômico determinam o silêncio sobre políticas ambientais e de direitos humanos. Não por coincidência que muitas das potências militares-econômicas que ameaçam o meio ambiente também são violadoras de direitos humanos. Novamente o Brasil de Bolsonaro é um caso paradigmático: a alegoria da floresta Amazônica como uma “virgem” e sua posse como o desejo de um “tarado” estrangeiro denuncia, como diz Jason Stanley, alguns dos sintomas da política fascista, como a “ansiedade sexual” e a “hierarquia” que move a “irrealidade” dos líderes. Mesmo que alinhado a políticas ultraconservadoras globais, como as instauradas na Hungria de perseguição aos estudos de gênero nas universidades, Bolsonaro estabelece sua própria lógica hierarquizante do mundo: “eles” são todos aqueles contra os interesses econômicos e militares que movem sua agenda desenvolvimentista de exploração do meio ambiente e espoliação dos povos indígenas.
É na irrealidade da fantasia fascista que os líderes mentem e promovem a perseguição a cientistas e universidades, o “anti-intelectualismo” descrito por Stanley. Não sem razão que o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil foi demitido após demonstrar o crescimento de 40% no desmatamento da floresta Amazônia nos últimos doze meses. É um dado alarmista e, por isso, “antinacionalista”. Mas, inesperadamente, pode ser a Amazônia a oferecer o salva-vidas a um país em naufrágio pelas políticas fascistas. O papa Francisco se disse preocupado com a “mentalidade cega e destruidora que privilegia o lucro sobre a justiça”, e convocou o Sínodo da Amazônia para definir o papel da Igreja Católica na defesa da floresta e dos povos indígenas. É certo que são diferentes agentes políticos, pois a mesma igreja que promove a homofobia e a misoginia que encanta os líderes ultraconservadores, é a que se lança contra as políticas ambientais predatórias. Por isso, deve haver esperança de que na fragmentação das alianças de poder a Amazônia salve os direitos humanos.Debora Diniz, pesquisadora da Universidade de Brown/ Giselle Carino, diretora da IPPF/WHR.
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