Todos nós conhecemos ao menos um Bolsonaro na escola. Aquele garoto que, quando aparecia no pátio, tocava o terror. O meu Bolsonaro chamava-se Júlio. Convivemos do primeiro ano primário ao último do colegial, sempre a uma distância que tentei manter segura para não apanhar.
Acompanhei a evolução da carreira de agressor contumaz do Júlio por onze anos. Ele era forte, cara de mau e estava sempre acompanhado de dois ou três comparsas. Covardes que imaginavam que, estando a seu lado, não seriam agredidos.
Júlio era um horror. Assustava até os funcionários da escola. Nem os bedéis, nem os professores mexiam com ele. Hoje em dia diriam que ele praticava bullying. Acho bullying pouco para suas atitudes.
Ele batia, xingava e amedrontava. Agarrava os garotos mais frágeis, os nerds, os gordinhos, os gays e cuspia na cara, socava ou esfregava suas costas no cimento chapiscado do muro da escola.
O que Júlio fazia beirava o crime, numa época em que xingar gays e bater em nerds nem de longe parecia crime, mas era detestável.
Seus parceiros riam e incentivavam. Davam tapas na cara, humilhavam e ofendiam. As vítimas saíam com a camisa rasgada e o ego despedaçado. As costas cheias de risquinhos de sangue.
Júlio lutava caratê. O sujeito só não era faixa preta porque tinha apenas uns dez anos de idade. Já no caratê era disciplinado como um militar profissional. Mas no resto das matérias era limitado, coitado. Burrinho mesmo. Só ia bem em educação física.
Quem sabe o contexto que criou nosso Bolsonaro seja parecido com o que criou o Júlio, lá da minha infância. No livro “O Cadete e o Capitão”, o jornalista Luiz Maklouf Carvalho estudou a fundo o julgamento de Bolsonaro pelo Superior Tribunal Militar (STM), quando este foi acusado de ter desenhado um croqui indicando onde colocar bombas na adutora do Guandu — que abastece de água boa parte da população metropolitana do Rio.
Maklouf concluiu que o plano foi mesmo de Bolsonaro, que se queixava na época de baixos salários. Talvez venha daí o Bolsonaro agressivo de hoje.
Um militar que se imaginava injustiçado. Esse desequilíbrio entre força e respeito talvez seja a gênese da violência de Júlio e de Bolsonaro. Usar a força para não ser julgado fraco.
Nesse conflito, estão em oposição, de um lado, a hierarquia e a disciplina militar, do outro, a insignificância de quem, mesmo eleito para o Congresso, não apitava nada, relegado à irrelevância do baixo clero por décadas de mandatos. Gritar e ofender para ganhar a atenção que, no íntimo, imaginava merecer.
Assim, com os mesmos olhos de predador de Júlio no pátio da escola, Bolsonaro escaneia as pradarias de Brasília à procura de sua próxima presa. Uma hora é um deputado gay, depois, um governador “paraíba”. Miriam Leitão foi alvo fácil de Bolsonaro, como os nerds de Júlio.
Ela é mulher, crítica, inteligente, jornalista e foi ativa na esquerda. Quanta ira e covardia são necessárias para afirmar que Miriam Leitão não foi torturada quando tinha 19 anos e estava grávida? Um fato que foi devidamente comprovado pela Justiça brasileira.
É o tipo de atitude que faria Júlio vibrar de prazer. Falta apenas explicar por qual razão elegemos um Júlio para presidente. Quem sabe foi por que boa parte do País, despreparado e ignorante politicamente, pensa como os comparsas do meu algoz de infância: “Melhor ficar ao lado de quem bate do que de quem apanha.” Ficando ao lado do agressor, imaginam que estarão a salvo, protegidos. Quem apoiava o Júlio imaginava que ele lutaria pelos interesses de sua turminha — ou os deixaria em paz.Infelizmente, não era o que acontecia. Júlio só pensava em Júlio e, mais dia, menos dia, espancava a gangue toda só para mostrar quem mandava.
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