sábado, 27 de julho de 2019

E agora que também fale o Queiroz

O Brasil vive uma febre de hackers que se dedicam a roubar os segredos de personagens-chaves do Estado. São uma espécie de confessores que escutam, usando as novas tecnologias, os pecados dos poderosos e depois os vendem ao melhor comprador.

A imagem do hacker que escuta os pecados dos poderosos como confessores me trouxe à memória a publicação feita há anos em Roma por um grupo de jornalistas que queriam saber o que os padres perguntavam aos fiéis quando estes lhes confessavam pecados sobre o sexo. Então o confessor se mostrava curioso como um adolescente e aproveitava para que o pecador lhe contasse, e com detalhes, de que formas violava o sexto mandamento.

A publicação foi um escândalo, e acredito que a Igreja tenha obrigado a retirá-la, e os jornalistas foram acusados de violação de sigilo. Eles queriam, entretanto, denunciar como havia sacerdotes que usavam o confessionário para se satisfazer até sexualmente. Naquele caso os jornalistas tinham se tornado hackers e reveladores dos segredos dos confessionários.

Hoje os que andam no Brasil à caça das conversas pessoais dos homens do Judiciário e dos outros poderes o fazem mais para ganhar dinheiro, e os jornalistas cumprem seu dever de publicá-las, já que sua missão é a de vigiar os atos dos que governam ou distribuem justiça.

Entretanto, no Brasil, existe hoje um personagem que já se tornou famoso, que saído do nada acabou sendo não o hacker, e sim o confidente e amigo da família do atual presidente da República, Jair Bolsonaro. Do pai e de seus três filhos, todos políticos eleitos pelo voto. Refiro-me ao subtenente-PM aposentado Fabricio José Carlos Queiroz, amigo pessoal do presidente há 30 anos. Foi seu motorista e seu agente de defesa pessoal. A amizade com o pai se transferiu para os filhos, sobretudo o mais velho deles, o hoje senador Flávio Bolsonaro, então deputado estadual no Rio.


O obscuro personagem Queiroz acabou acumulando os segredos da família Bolsonaro e virando ao mesmo tempo o seu maior pesadelo. Através das acusações de corrupção que pesam sobre ele, acabou comprometendo a família Bolsonaro, que o usou não só como chofer como também o elevou a chefe de assessoria do então deputado Flávio. Era ele que fazia e desfazia dentro do seu gabinete e o que contratava assessores fantasmas, vindos do submundo das milícias que hoje dominam o Rio e se incrustaram no Estado.

Queiroz, que levou a Justiça a abrir uma investigação sobre o senador Flavio Bolsonaro, depois interrompida pelo Supremo, foi também chamado a depor à polícia, mas se negou (prestou explicações apenas por escrito) e desapareceu. O medo infundido por esse personagem, anônimo durante toda sua vida, é que ele deve guardar muitos dos segredos da família do hoje presidente e de suas relações com as milícias do Rio. Basta recordar que foi Queiroz quem levou para o gabinete do então deputado Flavio Bolsonaro a mãe e as duas filhas de um dos personagens que aparecem como envolvidos no assassinato da jovem ativista de esquerda Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Trata-se do capitão Adriano Magalhães, um dos líderes do grupo miliciano Escritório do Crime e suspeito de ter participado do assassinato.

As relações estreitas entre a família Bolsonaro e as milícias, junto com seus segredos ainda por revelar, passam pela sombra de Queiroz, que conhece como ninguém e de perto, quase como um confessor, os pecados e virtudes dos Bolsonaro. Daí a suspeita de que seu desaparecimento, sem que nem sequer tivesse sido interrogado pela polícia, seja a demonstração de que Queiroz se tornou uma sombra perigosa que acompanha o presidente e sua família. É verdade que Bolsonaro afirmou em uma entrevista à Veja que “ninguém mais do que eu quer a solução desse caso o mais rápido possível”. Entretanto, não parece crível que a polícia, que em poucos dias conseguiu deter os supostos hackers das conversas privadas do juiz Moro e dos procuradores que trabalhavam com ele, ainda não tenha sido capaz de encontrar o desaparecido Queiroz.

Tem razão a gente das ruas ao se perguntar nas redes e jornais, quase zombeteiramente: cadê o Queiroz, e por que ele não fala? Por que a polícia não resolve um caso dessa gravidade? Medo do quê? São medos que não só não se conjugam com a democracia e o Estado de direito como também a sujam e aviltam, ao mesmo tempo em que envenenam e dividem a sociedade.

O presidente, que assumiu para si o lema bíblico “A verdade vos salvará”, deverá demonstrar, sem esperar mais, que a verdade do caso Queiroz, que pesa sobre ele como a espada de Dâmocles, saia à luz do sol. Sem isso, não se iluda, dificilmente ele terá chances de se reeleger e até se arrisca a não acabar o mandato.

A sombra do assassinato de Marielle ainda sem resolver, mais perigosa hoje morta do que viva, e o desaparecimento do confidente Queiroz, um personagem que conserva muitos segredos, podem poluir não só a democracia, mas também a convivência já difícil e inflamada dos brasileiros que se mostram cansados de fazer perguntas ao poder, do qual recebem só silêncios. Silêncios que gritam mais forte que todas as promessas goradas de reconstruir um novo Brasil. E menos em paz.

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