Desde o início de março, o presidente Jair Bolsonaro tem feito às quintas-feiras uma live para se comunicar com a população. Trata-se de um vídeo transmitido ao vivo por meio das redes sociais no qual o presidente discorre sobre os mais variados assuntos. O Estado fez um levantamento dos temas abordados e de quanto tempo foi dedicado a cada um. O resultado preocupa.
Até agora, o assunto mais falado pelo presidente Jair Bolsonaro foi a pesca. Foram 45 minutos e 35 segundos dedicados à pescaria. A pesca da tilápia, por exemplo, ocupou sozinha 15 minutos e 47 segundos das transmissões de quinta-feira. A título de contraste, a saúde pública, que frequentemente aparece como uma das principais preocupações dos brasileiros, recebeu a atenção do presidente Bolsonaro por apenas 7 minutos e 33 segundos, ocupando, assim, a 20.ª posição entre as preocupações presidenciais.
O segundo tema mais abordado pelo presidente Jair Bolsonaro em suas lives foi a internet (41 minutos e 20 segundos). Em seguida vieram as armas (36 minutos e 55 segundos), as relações exteriores (29 minutos e 26 segundos) e as regras de trânsito (28 minutos e 27 segundos), com destaque para a Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
De acordo com o líder do PSL no Senado, major Olímpio, o presidente Jair Bolsonaro “quer (com as lives) mostrar à população que continua o mesmo Jair Bolsonaro de antes de ser presidente”. Se for assim mesmo, trata-se de um grande equívoco. Ele hoje tem responsabilidades completamente distintas das que tinha há pouco mais de seis meses.
Em 1.º de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República, com atribuições e deveres especialmente graves. Entre outras competências constitucionais, cabe ao presidente da República “exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal”. Não é exagero dizer que o desenvolvimento econômico e social do País depende em boa medida do modo como o presidente Jair Bolsonaro realiza suas tarefas. Se eventualmente a pescaria estava entre as principais preocupações de Jair Bolsonaro – em 2012, por exemplo, o então deputado Bolsonaro foi autuado por pescar na Estação Ecológica de Tamoios, uma área protegida entre os municípios de Angra dos Reis e Paraty (RJ) –, é de esperar que, uma vez empossado como presidente da República, os temas nacionais adquiram outra hierarquia.
Por mais informais que sejam as transmissões de quinta-feira, elas têm inevitavelmente um caráter de comunicação do Poder Executivo federal com o cidadão. Tanto é assim que vários integrantes do governo participam das lives. O general Augusto Heleno já apareceu sete vezes nas transmissões. Em seguida, vem o secretário da Pesca, Jorge Seif Junior, que lá esteve quatro vezes. Também estiveram por três vezes no programa ao vivo do presidente o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo; o ministro da Educação, Abraham Weintraub; o almirante Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia; e o porta-voz, general Rêgo Barros. Não é, portanto, uma conversa de botequim.
Entre as mudanças que opera, a posse como presidente da República faz com que as palavras ditas tenham uma nova importância. O que um presidente da República fala, seja quem ele for, tem peso. É preocupante, assim, que, nessa comunicação direta com a população, a educação ocupe apenas o oitavo lugar entre os temas mais falados, depois das armas e da relação com os EUA (sétimo tema).
Mesmo assuntos que receberam destaque na campanha eleitoral de Bolsonaro têm agora dimensão muito mais modesta. Tão falada nas eleições, a segurança pública recebeu apenas 18 minutos e 16 segundos (11.º lugar) nas transmissões. As privatizações estiveram em 28.º lugar no ranking das preocupações do presidente e o tema dos investimentos e empregos, em 44.º.
Há um país com 13 milhões de desempregados. Há uma economia a ser reerguida. Há várias reformas estruturantes a serem realizadas. Seria muito oportuno que as preocupações do presidente expressassem, com bom conhecimento de causa, as reais prioridades do País.
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