terça-feira, 4 de junho de 2019

O verdadeiro ônus político

Uma parte do Congresso resiste a incluir Estados e municípios na reforma da Previdência. Esses parlamentares, segundo reportagem do Estado, estão temerosos em arcar com o “ônus político” da reforma, que, em sua opinião, deveria recair sobre governadores e prefeitos. Nesse cálculo parecem estar principalmente as eleições municipais do ano que vem, as primeiras em que provavelmente o impacto político da reforma se fará sentir.

É certo que políticos vivem de votos, e que aborrecer eleitores com temas impopulares às vésperas de eleições é receita quase certa para a derrota. Considerando-se que muitos dos atuais parlamentares dependem também do bom desempenho de aliados nas disputas regionais para alimentar suas bases, nada mais natural que a corrida eleitoral de 2020 seja elemento importante nas estratégias de deputados e senadores.


Assim, não surpreende que haja reticências no Congresso Nacional a patrocinar um aperto previdenciário nos Estados e municípios, que afetaria a influente categoria dos funcionários públicos. É a esse ônus que alguns parlamentares estão se referindo – e que eles preferem que seja assumido pelos Executivos locais, que teriam de lutar pela aprovação da reforma da Previdência nas respectivas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Se isso vier a acontecer, a reforma pode sofrer considerável atraso nos entes subnacionais, cujas contas, em vários casos, estão em estado crítico.

Ora, a esta altura está claro que o verdadeiro ônus político recairá sobre aqueles que dificultarem uma reforma que é condição indispensável para evitar o iminente colapso das contas públicas em todos os níveis. Se no caso da União a questão previdenciária assumiu contornos dramáticos, no caso dos Estados e municípios a situação é ainda pior, com potencial inclusive para prejudicar seriamente a prestação de serviços – como já vem acontecendo em algumas unidades da Federação.

Se nada for feito a respeito, o déficit previdenciário nos Estados, que hoje se aproxima de R$ 100 bilhões, deverá quadruplicar até 2060, já descontada a inflação, conforme estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. O mesmo estudo informa que o passivo previdenciário atual e futuro dos governos estaduais, o chamado déficit atuarial, chegava a R$ 5,2 trilhões em 2017. Como comparação, o relatório da IFI lembra que o saldo total da dívida dos Estados, incluindo o passivo junto à União, aos bancos e aos credores externos, era de R$ 776,3 bilhões naquele ano.

Além dos valores absolutos, o que chama a atenção é o ritmo do crescimento do déficit previdenciário estadual. O rombo passou de R$ 51,37 bilhões em 2006 para R$ 77,39 bilhões em 2015 – um aumento de 50,7%. Houve deterioração em quase todos os Estados.

Os dados mostram que o número de servidores inativos cresceu 37,9% de 2006 e 2015, enquanto o total de ativos recuou 3,4%. Além disso, o valor dos benefícios pagos aos servidores estaduais aposentados cresceu 32,7%, em termos reais. Enquanto isso, conforme a IFI, verifica-se uma constante queda no número de contribuintes em relação ao número de beneficiários, o que impõe desafios ainda maiores à manutenção do sistema previdenciário. O estudo indica que, nesse ritmo, seria necessário cobrar uma alíquota de mais de 50% de servidores ativos e inativos para equilibrar o sistema até 2050.

Os responsáveis pelo relatório da IFI lembram o óbvio: que o adiamento da reforma da Previdência nos Estados obrigará os governadores a pedirem novo socorro à União, pois a despesa previdenciária em pouco tempo consumirá a maior parte das receitas. Então, os governadores deveriam empenhar-se pela inclusão dos Estados na reforma, assim como o governo federal. Alguns governadores começaram a se movimentar, mas a equipe econômica do governo tem evitado assumir protagonismo nesse caso.

Todos parecem estar fazendo seus cálculos políticos. Na coluna de ganhos, estão alguns votos de servidores públicos agradecidos por ficarem de fora da reforma da Previdência; na coluna de perdas, estão os demais brasileiros, condenados a viver num País com as contas permanentemente em frangalhos.

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