Em sua alocução-relâmpago na tarde desta terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro, sempre com o seu feroz tom de voz e ritmo oratório como se estivesse se dirigindo a uma tropa de comandados seus, comentou, superficialmente, sobre o decreto que assinou sobre porte de armas de fogo e que somente hoje, quarta-feira, seria publicado no Diário Oficial da União.
Sem tornar público o texto do decreto, nem qual o seu número, Bolsonaro fez questão de enfatizar que “tudo foi feito no limite da lei”. E falou e repetiu tanto sobre o “limite da lei” (ele se reportava, embora sem dizer, ao Estatuto do Desarmamento, Lei nº 10.826, de 22/12/2003) que a insistência levantou suspeita e uma indagação: teria sido mesmo “no limite da lei”?
Sim, porque decreto “como ato administrativo, está sempre em situação inferior à lei e, por isso mesmo, não a pode contrariar, a ela nada acrescentar e serve apenas para regulamentá-la”, como ensina Hely Lopes Meirelles (“Direito Administrativo Brasileiro”, página 162, 19ª edição, Malheiros Editores).
E a suspeita era procedente. “No limite da lei” coisa nenhuma. Lá está no Diário Oficial, edição desta qu,arta-feira, a íntegra do Decreto nº 9.785 de 7 de Maio de 2019. Quase tudo está fora “do limite da lei”. A começar que este tal decreto, que diz que “regulamenta a Lei nº 10.826, de 22.12.2003…”, contém 67 artigos. Isso mesmo, 67 artigos, quase o dobro dos artigos da lei que o decreto diz que “regulamenta”, e que somam apenas 37 artigos! E são inúmeras as inovações e situações que o decreto acrescentou para o porte de arma e que não estão contempladas pelo Estatuto do Desarmamento.
Inovou, portanto. Legislou, sem dúvida. Praticamente, criou, por decreto, um novo Estatuto do Desarmamento. Se este tal decreto for levado ao Judiciário para aferir sua constitucionalidade, muitos artigos serão considerados em acréscimo à lei, e, portanto, declarados inconstitucionais.
Não há espaço aqui neste artigo para abordar todas as ilegalidades que mancham o decreto, porque são muitas. Vamos apenas mostrar estas que mais chamam a atenção e que absolutamente não estão “no limite da lei”.
No Capítulo IV, que trata “Do porte de Arma de Fogo”, dentre muitos homens e mulheres que doravante podem portar arma de fogo, está a pessoa “que exerça a profissão de advogado” ( artigo 20. parágrafo 3º, letra “h” )!. E ainda: quem for “profissional de imprensa que atue na cobertura policial” (item VI)!. Tem mais: quem seja “conselheiro tutelar (item VII)”, e ainda “motoristas de empresas e transportadores autônomos de cargas”(item IX)!
Mas o que é isso, Bolsonaro? O senhor está muito mal assessorado. Parece estar cercado de leigos na ciência do Direito. O despreparo para governar não é só individual. É coletivo, também. A Lei nº 10.826 (Estatuto do Desarmamento), no Capítulo III que trata “Do Porte” é rígida, exaustiva (que não admite acréscimo ou exclusão) e não contempla os que exercem aquelas profissões que o seu decreto acrescentou, sem forma e sem figura de lei;
Nem aquelas nem muitas outras que este artigo não encontra espaço para comentar. Seu decreto não regulamenta a lei. Seu decreto altera substancialmente a lei. E tanto, por não ser permitido, é absolutamente inconstitucional. Agora, após ter sido tornado público com a publicação no Diário Oficial da União, se constata porque o senhor foi tão evasivo nesta terça-feira, quando ao lado de Paulo Guedes, falou rápida e sincopadamente, sobre o tal decreto, enfatizando que o mesmo foi baixado “no limite da lei”.
Sr. Presidente, o senhor poderia mexer em todo o Estatuto do Desarmamento. Para isso bastava lançar mão de Medida Provisória, caso não optasse pelo projeto de lei alterando o Estatuto do Desarmamento. Por decreto, jamais, senhor presidente.
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