Apesar de todo o campo que se abre para discutir sobre a visão que o escritor tinha de si mesmo, um dos motivos que me levam a falar do livro é que, durante a leitura, encontrei a palavra geena, segundo o Houaiss, “local de suplício eterno pelo fogo, inferno” ou, por extensão de sentido, “sofrimento intenso, tormento, tortura”. Antes de buscar o significado do substantivo, me lembrei da amiga Stella Maris Rezende — escritora, colecionadora de prêmios Jabuti e verdadeira adoradora de palavras esquecidas — e a marquei no Face com a intenção de saber se ela o conhecia. Não, ela não conhecia. Concordamos que a sonoridade era bela, já o significado…
A ironia à postagem veio do Marco Túlio Costa — outro colecionador de Jabuti — ao fazer o seguinte comentário: “do modo que as coisas vão, alguém nascido na cidade do Rio de Janeiro poderá dizer ‘sou carioca da geena’”. Trocadilho digno de prêmio, reagiu o Henrique. Faço coro, quanto mais agora — um agora que não é de hoje — que o estado está à deriva. O autor de “O mágico desinventor” (Record), digníssimo Mago Túlio, como o poeta Antonio Barreto o chama, lacrou.
Volto ao diário da terceira internação de Lima Barreto. O interesse em lê-lo ainda hoje está não só no fato de que os “loucos” continuam por aí e são sempre personagens curiosos (quando são apenas personagens e não nossos familiares, sejamos honestos), mas na precisão com que Lima Barreto mostra que uma instituição dessas é a síntese do próprio país. Barreto fala de loucos ricos, com enfermeiros contratados, em contraposição aos despossuídos de juízo e dinheiro. Fala de médicos que não vão além daquilo que apregoa sua ciência, quer dizer, médico que está ali para receitar o mesmo tratamento para qualquer espécie de doente. Mostra enfermeiros pacienciosos, que, vivendo entre os loucos, sem o distanciamento reservado aos médicos, suportam todo tipo de maldição e impropérios.
Olhar arguto, Lima Barreto documentou um país que insiste em manter-se o mesmo. O Brasil, e não só o Rio, está jogado à geena. Ah, sim, e os escritores continuamos, como tem sido desde o início dos tempos, assoberbados pela falta de grana, com o que nos quedamos loucos mesmo sem a bebida e sem o delírio.
Alexandre Brandão
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