quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Um país em tempos bicudos

O Brasil chega ao fim de 2018 em tempos bicudos. A polarização política se aprofundou, e a sociedade ficou mais dividida e intolerante. O país passou a viver uma situação de “mal-estar constitucional”, com ameaças à democracia e ao equilíbrio entre os poderes. O diagnóstico é do professor Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito em São Paulo.

Em “A Batalha dos Poderes” (Companhia das Letras), ele situa o início da crise nas manifestações de 2013, que “colocaram em xeque a estabilidade de um sistema político que parecia consolidado”. De lá para cá, passaram-se cinco anos de turbulências. É difícil acreditar que estejam perto do fim.

O livro sustenta que a eleição de 2014 mudou para pior os padrões da disputa política. A petista Dilma Rousseff admitiu que poderia “fazer o diabo” para vencer, e produziu uma crise fiscal que acabou em recessão. O tucano Aécio Neves não aceitou a derrota, e contestou o resultado para “encher o saco”.

Depois viriam o impeachment de Dilma, que o autor define como “controvertido”, e a posse de Michel Temer, que se salvou de duas denúncias de corrupção e agora enfrenta a terceira.

Vieira afirma que o avanço da Lava-Jato acirrou a disputa entre a classe política e o estamento jurídico. A operação rompeu uma tradição de impunidade dos poderosos, mas abriu espaço a acusações de abuso e parcialidade. O Supremo Tribunal Federal não conseguiu escapar dos mesmos desgastes.

O professor escreve que a Constituição de 1988 deu superpoderes à Corte, abrindo caminho ao que ele chama de “supremocracia”. Na sua visão, o tribunal manteve uma atitude “omissa e reticente” na Era Collor, foi “deferente ao governo e ao Congresso” sob Itamar e FHC e se deslocou para o centro da arena política nos anos do PT.

Hoje é chamado para dar a palavra final sobre quase tudo. “Desconheço outro tribunal supremo do mundo que faça plantão judiciário para solucionar quizílias que os parlamentares não são capazes de resolver”, critica.

Para Vieira, a atuação do STF na proteção de direitos fundamentais é “bastante positiva”, mas o tribunal erra ao se meter demais em disputas políticas. Ele critica as decisões que derrubaram a cláusula de barreira e impuseram a perda de mandato por infidelidade partidária, estimulando a criação de novas siglas: “Sob a pretensão de corrigir falhas no sistema político, o STF contribuiu para torná-lo mais ininteligível”.

O professor defende que as decisões monocráticas deveriam ser “reduzidas ao máximo”, e pede uma atuação “mais colegiada, imparcial e com certa discrição”. “A autoridade do STF não pode ser exercida de forma fragmentada por cada um de seus ministros”, escreve. O noticiário dos últimos dias mostra que ele tem razão.

O livro foi concluído antes da eleição, mas o autor registrou sua preocupação com o favoritismo de Jair Bolsonaro, “líder de extrema direita com posições explicitamente contrárias à Constituição”. Em outro trecho, ele deixou um alerta: “O fato de a Constituição ter sobrevivido a esse período de forte turbulência não significa que sairá ilesa do novo ciclo da política brasileira”.

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