A eleição de Collor foi beneficiada pela “cristianização” da candidatura de Ulysses Guimarães. Não se pode dizer exatamente o mesmo do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que era um estranho no ninho peemedebista. Mas a adesão de forças políticas por gravidade no segundo turno foi igualzinha. Outra semelhança é a ausência de uma base parlamentar articulada em termos de coalizão partidária. Na política externa, Collor foi multilateralista, enquanto Bolsonaro é “trumpista”; na política econômica, o ex-presidente transformou seu projeto liberal num estelionato eleitoral, por causa do confisco da poupança, enquanto Bolsonaro promete fazer ajuste fiscal de arrombar, para viabilizar seu programa ultraliberal.
O senso comum aponta para um governo conservador na política e nos costumes, assumidamente de direita do ponto de vista ideológico. Essa é a cara do governo nas redes sociais, escolhidas como terreno mais favorável para o embate com as forças derrotadas na eleição. O novo modelo de comunicação do governo reproduz a estratégia vitoriosa da campanha eleitoral, mas será que vai funcionar? Bolsonaro (PSL) anunciou, por exemplo, que realizará uma live semanal no Facebook para comunicar as ações de governo, repercutindo-a no Twitter. Esse é o padrão do presidente norte-americano Donald Trump. Há um certo desconhecimento de que a comunicação do governo é institucional e dela depende a interação com a sociedade no dia a dia.
Segundo Bolsonaro, “o poder popular não precisa mais de intermediação” e graças a isso manterá uma comunicação direta com os eleitores. Embute a ideia de uma democracia plebiscitária, que não respeita a oposição nem as minorias; com sinal trocado, é o mesmo equívoco de setores de esquerda que defendem a democracia direta, ou seja, a substituição da democracia representativa, a subalternização dos demais poderes constituídos da República, principalmente o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o analista político Murilo Aragão, esse modelo pode funcionar muito bem enquanto o governo goza de grande popularidade, mas tende a gerar tensões com os grandes meios de comunicação e o sistema político tradicional.
“A exploração das redes, assim como certas ações de Bolsonaro, como conceder uma de suas primeiras coletivas de imprensa, após ter vencido a eleição presidencial, em cima de uma prancha de surfe, ou aparecer na semana passada vestindo camisa Nike, ou realizar flexões e praticar tiro em visita à sede do Bope, ajudam a manter a imagem de “mito” e de político “antissistema”, avalia Aragão. Na rotina da administração pública, porém, a vontade política do governante não basta, é preciso ter legitimidade nas ações. Ou seja, é absolutamente necessária uma justa relação entre a chamada ética das convicções, que move os políticos, e a ética da responsabilidade, que pauta a alta burocracia, tensão clássica da democracia. Nesse aspecto, há contradições instaladas no governo que podem ser determinantes para sua imagem futura
Talvez o epicentro dessa contradição já esteja instalado no Itamaraty, onde o novo chanceler Ernesto Araújo surpreende os colegas a cada dia. Toda uma geração de embaixadores está aterrorizada com a possibilidade de deixar os postos e amargar um fim de carreira no ostracismo. Mas essa tensão também ocorre no superministério criado para o ex-juiz federal Sérgio Moro, escalado para combater a corrupção na administração pública e enfrentar o problema do crime organizado. A primeira tarefa do novo ministro da Justiça tem maior caminho andado, por causa da Operação Lava-Jato; a segunda é o grande problema, como está patente no caso do Rio de Janeiro, onde o novo governador Wilson Witzel cedeu às corporações e deu status de secretários ao Chefe da Polícia Civil e ao Comandante da Polícia Militar, jogando por terra o trabalho feito pelos generais interventores para reorganizar o sistema de segurança fluminense.
O maior desafio do governo Bolsonaro, porém, é a gestão da economia. O Orçamento da União de 2019, estimado em R$ 3,381 trilhões, com previsão de crescimento de 2,5% do PIB e com inflação da ordem de 4,25%, engessa o novo governo. O salário-mínimo será reajustado em 5,45%, chegando a R$ 1.006 em 1º de janeiro. Já a taxa básica de juros (Selic) deve fechar 2019 em 8% ao ano e o dólar, em R$ 3,66, de acordo com a estimativa. A previsão de deficit para as contas públicas foi mantida em R$ 139 bilhões, mesmo patamar de 2018, incluído o reajuste de 209 mil servidores civis ativos e 163 mil inativos em 2019. O ministro da Economia, Paulo Guedes, para mexer nisso aí, tem que aprovar a reforma da Previdência a toque de caixa. É aí que entram a política e a necessidade de cortar na própria carne para dar bom exemplo.
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