Muitos amigos dormiram numa família para tomar café da manhã num comício político exaltado e foram para o trabalho descobrindo que o rebento, o colega e até mesmo a mulher amada eram intolerantes inimigos políticos.
Se fosse um exaltado, diria: “Não é a economia, e muito menos a política, seu burro! É a cultura, que tudo inventa e canibaliza!”
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Um olhar foi suficiente para o encontro, depois que cada qual discutiu a sua comunicação no “Seminário sobre Tolerância e Democracia” realizado um pouco antes da eleição na universidade. Ela estava em trânsito neste nosso Rio de Janeiro, que ainda é a “Cidade Maravilhosa” de muitos paulistas. Ele aqui morava e, naquela noite, seu plano era claro: saber mais dela e desfrutar de modo tranquilo e pós-moderno uma noite mágica de sexo à antiga. Admiravam os mesmos autores, tinham pesquisado assuntos semelhantes e adoravam vinhos macios ao paladar. Pediram ao mesmo tempo um Merlot, que causou uma auspiciosa risada confirmadora da afinidade que saía da garrafa e ia sendo saboreado pelo quase casal numa expressiva sincronia.
Quando o último bar fechava, e os garçons se entreolhavam, veio a tragédia: eles citaram o nome de um presidenciável, e o processo eleitoral — com tudo a que ele tinha direito —baixou entre eles.
Foi num surto de terror que cada qual descobriu no outro o inimigo.
— Eu já suspeitava disso num machista branco.
— Mas eu sou baiano, mulato e tolerante como Gilberto Freyre — retrucou ele, com um bafo do Merlot que azedava. —Vocês só pensam em sexo.
—E você, inumana, se satisfaz com a masturbação política!
— Grosso! Machista! Golpista! Na certa um homofóbico enrustido!
— Homofóbico não! Apenas um homem fuzilado por clichês fascistoides...
O bate-boca os levou até a fachada acolhedora do seu prédio. Ele trouxe de volta o seu plano original de convidá-la a subir. Mas estavam possuídos pela política, que estragava tudo. Foi-se, como o vinho, a tolerância democrática. A prática, como dizia Zhou Enlai (Chu En-Lai), tritura a teoria...
Um desesperado gesto de paz, de conscienciosa lucidez e de conciliação, o levou a pegar-lhe a mão e dizer:
— O que é isso, gatinha? Vamos com calma...
— Não me chama de gatinha, seu filho da puta! Agora você tirou a máscara!
Não passas de um safado machista branco e racista.
—Repito: eu sou baiano.
—Não! És um branco, nazista e prepotente!
No dia seguinte, ele ligou e descobriu que ela o havia excluído — ofensa das ofensas — do seu Facebook.
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