Combinando dados da Interpol, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a base de dados de gestão pesqueira, os autores do estudo identificaram 200 navios envolvidos na pesca ilegal ou irregular. Não são muitos em comparação com os 250.000 barcos pesqueiros registrados pela FAO. O chamativo é que 70% desses navios tenham uma bandeira de conveniência de um desses paraísos fiscais, encabeçados por Panamá e Belize. A percentagem é ainda mais significativa levando-se em conta que só 4% da frota registrada na base da FAO tem bandeira de um desses países.
“Embora o número real de navios seja insignificante em comparação com o registro da FAO, o percentual não é. E isto é o que importa em nossa análise, os 4% versus os 70%”, diz Jean-Baptiste Jouffray, pesquisador do SRC e coautor do estudo. Essa concentração não diria muito se se repetisse em outros tipos de navios, como os cargueiros e petroleiros, que também costumam usar bandeiras de conveniência, algo que não acontece. “Por exemplo, a Mongólia tem um dos maiores cadastros de navios do mundo, embora não tenham nem um só quilômetro de litoral. Então procuramos na base de dados da FAO para pôr em perspectiva esses 70% e destacamos que era bastante estranho que os navios pesqueiros se concentrassem em jurisdições de paraísos fiscais”, acrescenta Jouffray.
O estudo, publicado na revista Nature Ecology & Evolution, quantifica também o capital estrangeiro que chega a dois dos setores que mais contribuem para o desmatamento amazônico: a pecuária e a soja, responsáveis por 80% do desmatamento da selva. Usando dados do Banco do Brasil, o trabalho mostra que o equivalente a 104,4 milhões de reais de capital externo chegaram às principais empresas desses setores entre outubro de 2000 e agosto de 2011, o período coberto pelos dados. Desse dinheiro, algo em torno de 71 milhões procedia de paraísos fiscais, com as ilhas Cayman à frente.
“No Brasil, no conjunto da economia e com relação a 2011, 17% do capital estrangeiro procedia desses paraísos fiscais, mas para o setor pecuarista e sojicultor foi de 68%”, comenta Víctor Galaz, autor principal do estudo e diretor-adjunto do SRC. As vantagens dos paraísos fiscais são bem conhecidas: seu know-how jurídico e fiscal, impostos mínimos e opacidade. Mas a razão para setores tão agressivos ambientalmente aparecerem mais conectados que outros com os paraísos fiscais é uma questão para a qual, como diz Galaz, “não temos respostas”.
O estudo tampouco responde à seguinte pergunta: o que há por trás dos paraísos fiscais? De onde vem o dinheiro ricocheteado a partir de lá? Para Javier Gódar, especialista da organização SEI e estudioso dos agentes por trás do desmatamento amazônico, não se deve demonizar os paraísos fiscais. “O impacto ambiental provavelmente não seria muito atenuado se não fossem usados. Afinal, os paraísos fiscais são um veículo para economizar um dinheiro, mas as pessoas não podem simplesmente colocar o foco ali e esquecerem do que fazem seus Governos, bancos, fundos de pensões, a economia privada etc.. “E, no final da cadeia, estão os consumidores desse peixe, dessa carne e dessa soja.”
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