A pergunta fica ainda mais intrigante diante do fato de que até cerca de 1400 a Igreja Católica simplesmente dizia que bruxas não existiam! É digno de menção, a propósito, um decreto do Papa Alexandre IV, datado de 1258, proibindo execuções em função de "bruxaria".
Esta estranha anomalia, que passou desapercebida aos olhos de larga parcela da humanidade, aguçou a curiosidade de dois pesquisadores norte-americanos, Peter Leeson e Jacob Russ. Ambos observaram, inicialmente, um detalhe: o início da "caça às bruxas" coincidiu com o da denominada Reforma Protestante.
Havia, pois, que se criar um "inimigo", um "perigo social" que induzisse na população um sentimento de pânico, desestimulando adesões a quaisquer novas ideias ou doutrinas. Não por acaso, citam os pesquisadores, a Alemanha, berço da Reforma Protestante, foi palco de 40% de todos os julgamentos por bruxaria. A radical Escócia, e só ela, julgou nada menos que 3.563 pessoas por tal motivo. Enquanto isso, por conta de suas posições firmemente tradicionalistas, a Espanha, Itália, Portugal e Irlanda, somados, contribuíram com apenas 6% do total!
Logo depois, apontam os pesquisadores, toda uma série de tratados de paz colocou um fim a um ciclo de guerras, muitas das quais tinham como pano de fundo precisamente certas questões religiosas - e eis que, então, como que por mágica, a "caça às bruxas" foi varrida para debaixo do tapete da história. Ficou apenas a lembrança, cada vez mais tênue, dos tantos anônimos que enfrentaram a morte na fogueira, elevada à condição de monumento em honra da crueldade humana.
Alguns séculos se passaram. Chegamos ao início de um novo milênio. É quando convido-o a ir à janela e contemplar o mundo dos nossos dias - e a imensa quantidade de "bruxas" que nele tem sido criadas, de forma a satisfazer interesses os mais abjetos. Medite sobre os direitos civis e sociais, duramente conquistados, que temos perdido por conta delas - afinal, há que se sacrificar alguns por certas causas.
Pedro Valls Feu Rosa
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