quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Furto adquirido

Alguns acharão pesado ou até indevido o título deste artigo. Mas tenho certeza de que para muitos sua motivação estará correta e oportuna. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, que trata dos direitos e garantias individuais, reserva especial proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Graças a Deus, reconheçamos, porque esse é um fundamento da segurança jurídica, cujo comprometimento seria a causa da instabilidade e da exceção.

Mas o que dizer-se dos direitos adquiridos assim consagrados sem que a própria Constituição cunhasse os critérios de sua materialização? As prefeituras, por exemplo – e essa é uma realidade em todo o país –, abrigam absurdos que permitem sangrar seus Orçamentos para pagar privilégios a funcionários escolhidos a dedo, valendo-se de manobras que dispensam empreender-se qualquer estudo mais acurado para saber que foram objeto de argúcia e espertezas da mais sórdida maquinação.

Resultado de imagem para privilégios charge

Há prefeituras literalmente quebradas, sem recursos para atender seus compromissos mais elementares, nas quais amigos de prefeitos ou ex-prefeitos incorporaram como direito adquirido valores que fazem chegar seus vencimentos a cifras absurdas, sem qualquer constrangimento de seus beneficiários em os receber. O caminho quase sempre passa pelas gretas da legislação, e o instituto do apostilamento desponta como o mais usado. Há prefeituras, ao que se sabe, onde há funcionários com até dois apostilamentos incorporados a seus vencimentos. No Senado, na Câmara dos Deputados, em Assembleias legislativas e Câmaras municipais de todo o país há salários que deveriam ser objeto de ação penal e consequente exigência de devolução de parcelas criminosamente recebidas.

Mas quem tomará tal iniciativa, especialmente em prefeituras, se muitas vezes prefeitos enfiam na administração pública, como assessores de deputados e senadores, suas mulheres, seus filhos, suas amantes, ou quem a eles mais convier? Se todos os dias se tem notícia de que vereadores e até mesmo deputados e senadores – vários assim o fazem – nomeiam como assessores seus parentes, suas empregadas domésticas ou seus jardineiros, ou os pilotos de seus helicópteros, ou ainda – o que chega a ser nojento – cobram participações e metem em seus bolsos parte dos vencimentos recebidos por tais assessores? Há Câmaras municipais em Minas que, sozinhas, têm Orçamentos maiores do que de importantes prefeituras; com toda a autonomia para gastar, pagar, contratar, jogar no lixo ou o que entenderem mais apropriado, ao talante de seu presidente.

Quem julgará como ilegais – porque imorais não há dúvida que sejam – tais trapaças? Nosso Poder Judiciário, que defende, esse sim, uma Lei Orgânica da Magistratura, na qual não cabem mais penduricalhos, farta e diariamente denunciado, como, por exemplo, pelos tão badalados auxílios-moradia e pelas verbas de custeio do ensino dos filhos dos magistrados? O Judiciário, cuja Corte Suprema, com 11 ministros, consegue gastar R$ 620 milhões por ano para manter em seus quadros quase uma centena de secretárias, 90 bombeiros civis, 51 copeiros e garçons, apenas como exemplo? Ou será o CNJ, no qual seus membros, quase todos, ganham muito acima do teto constitucional? A transparência dos atos públicos é, isso sim, um direito adquirido e de toda a sociedade. Vale gritar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário