Tal qual um acidente de avião, o assassinato da cidadania não foi obra de uma pessoa só nem produto de uma circunstância apenas. Foi obra coletiva de erros e omissões. Resulta de questões cumulativas que vão se organizando durante anos, décadas, e vão corroendo nosso sistema.
Se tivermos, porém, que apontar um vilão inicial, faremos isso facilmente: a fragilidades dos princípios. O Brasil é um país sem princípios e, em consequência, é movido por interesses específicos. Os princípios são o conjunto das regras explícitas e implícitas que fundamentam o funcionamento de uma sociedade – e o conjunto de nossos princípios é frágil.
Os princípios do bem comum não são apenas ignorados, sequer são percebidos. Já que não existe a cultura do comum, do coletivo, a educação se destina à mínima sobrevivência. Não é orientada para a dignidade, e sim para o salve-se quem puder.
Tudo aqui, para a maioria, é seu ou é de ninguém. Ninguém está comprometido com nada do que não seja absolutamente seu. E o que é de ninguém, como no faroeste, pode ser meu. Mas, o pior de tudo, é não poder consumir. Ser cidadão no Brasil não é fazer política nem votar: é ter um crediário nas Casas Bahia ou na Ricardo Eletro.
Políticos fazem negociatas para enriquecer e/ou sustentar esquemas políticos. Quando o fazem pela política, justificam os meios pelos fins. Só que, no raso, também gostam dos meios. Para um político poderoso, nada melhor do que colocar um potentado de joelhos obrigando-o a dar dinheiro para alimentar os seus caprichos.
O PT e suas esquerdas aceitavam o roubo como parte de um processo de transformação da sociedade. A cidadania é relativizada pelos interesses dos poderosos. E quem são os poderosos? A burocracia corporativista, o empresariado corruptor e os políticos corruptos. Em associação, expoliam e exploram a sociedade. Impedem o progresso.
Outro dia, em um evento social, eu disse que considerava um absurdo a escolha baseada em listas tríplices para a Procuradoria-Geral da República. Um indignado promotor refutou: e a classe? Não é a classe que interessa à cidadania, já que a classe se organiza para explorar os cofres públicos com férias, auxílio-moradia, auxílio-paletó, planos de saúde generosos e aposentadorias escandalosas.
Também acho uma tragédia os sindicatos que financiam o pão com mortadela e os almoços nas churrascarias de Brasília depois de promoverem baderna na Esplanada. Tudo com o generoso imposto sindical pago por trabalhadores que não foram convidados para o churrasco.
Outro horror são os partidos nanicos que compram helicópteros e aviões com a verba do Fundo Partidário ou alugam jatinhos para seus presidentes irem a São Paulo e não terem de enfrentar o desconforto do encontro com a suarenta patuleia cidadã que se aglomera nos aeroportos. O Tribunal Superior Eleitoral deveria, liminarmente, cassar o registro dessas legendas. O que falta para tal?
Quem matou a cidadania? Fomos nós, que não queremos ir para a política. Que queremos aposentadorias especiais e nos tornamos concurseiros profissionais até que a sorte grande de um trabalho bem remunerado e de baixo impacto nos abençoe com uma vida mansa e farta.
Será que odiamos os que correm riscos? Acho que sim. Nossos riscos já estão identificados: obter boa nota no Enem, tirar carteira de motorista, fugir de blitz e passar em um concurso público, já que ser cidadão em um país sem princípios é correr riscos e viver na mão de políticos, burocratas e corporações de interesses. Para muitos, é melhor ficar do lado deles que do lado de cá.
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