quinta-feira, 29 de junho de 2017

A hora do pesadelo

Estamos vivendo um pesadelo coletivo: as más notícias não têm fim, o poço não tem fundo, a miséria não acaba. Fomos sequestrados pelo noticiário, somos reféns dos escândalos. Não falamos mais sobre nada que não seja corrupção, bandidos, gente má.

— Você viu?

— Você leu?

— Você soube?

Eu vi, mas preferia não ter visto. Eu li, mas queria desler. Eu soube, mas gostaria de permanecer na ignorância. Eu não quero mais gastar o tempo da minha vida, que é pouco e que é só este, me afligindo com um elenco tão ruim, envenenada com atos tão sórdidos e mesquinhos


Só que não é um pesadelo. Não é uma novela, que a gente escolhe ver ou não ver, um filme, um livro. É a vida da gente, é o país que um dia a gente sonhou, que viu ampliado no futuro como uma nação incompleta, mas viável, corrigindo o rumo, acertando o prumo, a caminho da perfeição possível — para isso trabalhamos, educamos os nossos filhos, fomos a passeatas e a manifestações.

— O que vai acontecer conosco?

Todo mundo sabe que ninguém sabe, mas seguimos perguntando. Vai que algum ser iluminado tem uma resposta plausível, um fiapo qualquer de esperança. Vai que alguém diz que há luz no fim do túnel com suficiente convicção, mais ou menos como as nossas mães garantiam que não ia arder nada antes de passar mercúrio cromo no machucado.

Um mundo que substituiu mercúrio cromo por merthiolate que não arde já evoluiu muito, mas a esta altura nem isso é consolo.

— O país tem jeito?

Não, o país definitivamente não tem jeito, não que se veja daqui de onde estamos. O pior é quando se ouve essa pergunta, como eu ouvi nesta semana, de um dos esteios da República, um daqueles homens das internas que almoça em Brasília, janta em São Paulo e está sempre cinco casas adiante no jogo.

— O que mais assusta é que a gente percebe que, desta vez, não é um recurso de retórica — observou, mais tarde, o amigo com quem dividi o táxi. — É uma pergunta mesmo, e ele não faz ideia da resposta.

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Michel Temer está se desconstruindo em público.

O político que surfou todas as ondas, o “hábil negociador”, o orador das mesóclises — nenhum deles se sustenta nesse festival de delações e denúncias.

Sobram a figura medíocre, o gerenciador de conveniências, o probo de fachada com suas gravatas bem penteadas.

Ele não tem grandeza nem para ser canalha.

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Encontro gente surpresa com a popularidade do PT que, segundo pesquisa do Datafolha, cresceu muito e está em 18%. Não entendo a surpresa. O que queriam neste país de desmemoriados, em que a culpa de todos os problemas é sempre do último a ocupar a cadeira? Este era um efeito colateral do impeachment perfeitamente previsível, ainda mais com uma figura como Michel Temer na presidência. Apeado do poder, o PT se reergueu como oposição, no seu eterno papel de vítima das elites, enquanto Dilma caminha a passos largos para a canonização. Por isso tantos de nós, que éramos contra ela e contra a maneira torpe como se reelegeu, éramos, ainda assim, contra o impeachment; falta de aviso não foi.

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Continuo recebendo boas histórias sobre óculos, distrações e geladeiras. Meu amigo Luís Filipe de Lima contou um ótimo causo:

“Lembrei de uma história de geladeira que se passou com o saudoso Osmar do Cavaco, da Velha Guarda da Portela. Seu Osmar tinha ido tocar num churrasco e acabou voltando bem tarde para casa. Logo pela manhã, entretanto, foi acordado aos safanões pela mulher.

— Ô, Osmar! Bebeu de novo, né? Ficou tão doido dessa vez que entrou em casa e guardou o cavaquinho na geladeira! Assim eu não aguento!

Sem perder a calma, seu Osmar se levanta e abre o armário do quarto, lá estava o cavaquinho. Em seguida leva a mulher até a cozinha e tira da geladeira a capa do instrumento, que não estava vazia.

— Tem paciência comigo, minha filha. Ontem no final do churrasco o pessoal me deu uma sobra de carne crua. Não tinha mais sacola, aí eu tirei o cavaquinho da capa e coloquei a carne. Cheguei em casa cansado e fiquei com preguiça, daí botei logo a capa com carne e tudo na geladeira, depois guardei o cavaquinho no armário. Agora você vê, eu só penso na família e ainda sou maltratado desse jeito!

Dessa vez seu Osmar estava com a razão.”

E o Paulo Maia, do SOS Aves e Cia., que vive às voltas com animais resgatados, deixou o consultório do médico em polvorosa:

“Certa vez, eu estava com hora marcada com o urologista e, naquela manhã, havia resgatado uma jiboia com quase dois metros. Fui ao consultório, em Botafogo, e ao sair esqueci a cobra na recepção. Ela estava dentro de uma caixa, em que estava escrito ‘Frágil’. Só me dei conta do esquecimento quando cheguei ao abrigo da SOS Aves e Cia., em Saquarema. Liguei para o consultório e o pânico estava instaurado. Abriram a caixa e a cobra havia fugido. Imagina? Voltei ao Rio como uma bala e, felizmente, consegui recapturar a cobra. Dei a ela o nome do meu médico e todo ano, quando vou me consultar, lembramos disso.”

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Xexéo tem toda a razão: a cidade está abandonada.

Cora Rónai

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