Proponho um exercício, talvez inútil e ingênuo, de trazer para o Brasil o raciocínio de Michelle. Aqui também, o ódio instalou-se no ambiente político e social. Não adianta discutir se quem instalou o ódio foram os “coxinhas” ou os “mortadelas”, mas ele está aí, forte.
É um jogo que, de fato, “oblitera a nuance”. Pegue-se, por exemplo, o caso da libertação de José Dirceu, decidida por três dos ministros do STF. O ódio faz com que se diga que são traidores da pátria, pelo lado contrário a Dirceu, ou que a pátria foi salva das garras da República de Curitiba, pelo outro lado.
Fica perdida uma nuance importante: o STF não revogou a condenação de Dirceu; apenas determinou que ele fique em liberdade até o julgamento definitivo ou até que uma nova condenação, em outro caso, o leve de volta a Curitiba.
A condenação original, lá atrás, já produziu efeitos: Dirceu perdeu o mandato e teve sua carreira política truncada, provavelmente para sempre. Era, lembra-se?, potencial candidato à Presidência da República e, hoje, nem seus defensores exacerbados pensam nele para vereador.
Pulemos para outro exemplo: as reformas trabalhista e da Previdência. De novo, como escreveu Michelle Goldberg, fica parecendo, pela fúria com que cada lado ataca ou defende os projetos, que está em jogo o futuro da civilização.
Não creio que nem o futuro do Brasil, menos ainda o da civilização, estará assegurado ou perdido, caso passem ambas as reformas ou sejam ambas rejeitadas no fim das contas.
A nuance que se perde, a meu ver, é que nem o “status quo”, que os adversários das reformas acabam defendendo, nem as mudanças propostas estabelecem o paraíso na Terra. Se não houvesse essa carga toda de ódio, talvez se pudesse discutir reformas —que todos admitem serem necessárias— que tornassem os projetos mais aceitáveis.
Não creio que nem o futuro do Brasil, menos ainda o da civilização, estará assegurado ou perdido, caso passem ambas as reformas ou sejam ambas rejeitadas no fim das contas.
A nuance que se perde, a meu ver, é que nem o “status quo”, que os adversários das reformas acabam defendendo, nem as mudanças propostas estabelecem o paraíso na Terra. Se não houvesse essa carga toda de ódio, talvez se pudesse discutir reformas —que todos admitem serem necessárias— que tornassem os projetos mais aceitáveis.
Aí entra um conceito, o de “superioridade moral”, citado em “El País” desta quarta-feira (3) por Félix Ovejero, professor da Universidade de Barcelona: “Se alguém se sente essencialmente melhor, não acredita que deva explicações aos que não julga à sua altura”.
E assim vamos afogando em um mar de bile.
E assim vamos afogando em um mar de bile.
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