Esse conjunto de novidades é uma sinalização de que a política enfim tenta ajustar o passo com o mundo real. E, no mundo real, 2016 já bateu antecipadamente o terceiro recorde seguido de ano mais quente da história, furacões e ressacas matam e causam prejuízos mundo afora e mais uma seca ameaça os brasileiros com desabastecimento de água e energia.
O Brasil chega a Marrakesh emitindo sinais que contrastam com esse cenário internacional favorável. Dados recém-divulgados pelo SEEG (Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima) mostram que as emissões brasileiras em 2015 subiram 3,5% enquanto o PIB despencava 3,8%. O principal vilão foi o desmatamento na Amazônia, que aumentou em 24% no ano passado e deve voltar a subir neste ano – possivelmente na esteira do sinal ruim que o governo passa ao adiar sucessivas vezes os prazos do Cadastro Ambiental Rural.
Os dados do SEEG consolidam o cenário que apelidamos de “estagflação climática”, no qual o país fica mais pobre e polui mais ao mesmo tempo. Mas, mais do que isso, eles sugerem que as políticas climáticas nacionais não fizeram nem cócegas na economia real. As emissões brasileiras pararam de cair em 2010, justamente quando essas políticas começaram a ser adotadas. E, no que depender do Congresso, elas continuarão sem cair: nosso Parlamento acaba de aprovar um programa de incentivo à construção de usinas termelétricas a carvão mineral a partir de 2023.
Se o Brasil estiver falando sério sobre cumprir o acordo do clima, terá de produzir uma rápida inflexão dessa curva. Para isso, precisará de um plano efetivo para implementar a sua NDC, o compromisso de reduzir a poluição climática em 37% até 2025 em relação ao 2005.
O primeiro passo é abandonar a retórica do “berço esplêndido”. Esta consiste em deitar-se sobre os louros da redução da taxa de desmatamento entre 2005 e 2010 e ganhar tempo enquanto isso para explorar e queimar combustíveis fósseis – enquanto se sustenta no velho discurso de que “nossa matriz é mais limpa que a dos outros” – e manter uma pecuária com padrões de eficiência do século 18.
Tal atitude deixa a economia do país nas mãos dos setores mais atrasados enquanto deixa de incentivar a inovação tecnológica. Corremos o risco de micar com “ativos” como o pré-sal. Países para os quais apontamos o dedo hoje poderão nos vender tecnologia limpa amanhã ou embargar nossas commodities depois de amanhã, já que nossa meta oficial é a conivência com o desmatamento ilegal até 2030.
A estratégia no pós-Paris deveria ser a inversa: aproveitar a vantagem dada pela desaceleração do desmatamento no passado para acelerar a descarbonização, evitando que a concorrência nos ultrapasse.
Isso envolve zerar todo o desmatamento, criando uma economia de base florestal; direcionar todo o crédito agropecuário para atividades eficientes e de baixa emissão, tornando nosso churrasco parte da solução e não do problema; eletrificar os transportes urbanos, baseados numa matriz elétrica 100% limpa. Estudo após estudo têm mostrado que nosso PIB aumenta quando nossa ambição climática cresce.
A diplomacia brasileira leva a Marrakesh algumas boas ideias sobre como fazer o Acordo de Paris funcionar na prática no âmbito internacional. Mas a melhor coisa que o Brasil pode fazer pelo clima e por si mesmo é botá-lo para funcionar de verdade. Dentro de casa.
André Ferretti
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