quarta-feira, 9 de novembro de 2016

A tal reforma política

Volto outra vez a este tema.

O que mais me preocupa é que o brasileiro em geral – mesmo a elite mais culta – é muito mal-informado sobre o funcionamento de nossas instituições. Por isso, quando se fala em reforma política, quase todo mundo só se refere ao sistema eleitoral, em si tema complicadíssimo a ser enfrentado. É que não há modos perfeitos capazes de organizar uma sociedade com representação política. E nem mesmo a democracia direta nos livraria de males e distorções. Que o digam os estudiosos do auge da democracia ateniense!

Reforma política não é apenas mudar o sistema eleitoral: envolve o funcionamento das instituições internamente e uma em relação à outra. Desde que se estabeleceu a distinção (que nem sempre houve) entre Judiciário, Legislativo e Executivo, o cipoal de interferências chega a pôr um cristão de joelhos. Você não imagina, leitor, o que custou nos Estados Unidos o controle da constitucionalidade de leis. Os “founding fathers” tiveram de rebolar, e foi graças a uma matreiríssima interpretação do Justice John Marshall que a coisa acabou consagrada e depois copiada por nós, dentre outros. Quem quiser adentrar o espinhoso tema pode consultar na biblioteca virtual do Senado Federal a dissertação intitulada “O princípio da moderação e a legitimação do controle de constitucionalidade das leis”, de Thales Chagas Machado Coelho.
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Vou citar outros problemas: no Brasil, um parlamentar, sem deixar de sê-lo, pode ocupar cargo no Executivo (o que é expressamente proibido nos EUA) e depois, caso seja de interesse do próprio Executivo, esse parlamentar retoma sua cadeira no Legislativo apenas para votar algo de interesse do governante. No impeachment de Dilma, isso aconteceu: ministros voltaram à Câmara para votar a favor dela.

Na quinta-feira da semana passada, houve outro excelente exemplo da mixórdia entre Poderes. Foi a julgamento no pleno do STF a possibilidade de alguém da linha sucessória do presidente da República continuar à frente de seu cargo se é réu no próprio STF. Sem explicar o porquê, o ministro Barroso se declarou impedido. Faltaram ao julgamento os ministros Gilmar Mendes e Lewandowski e, para culminar, Dias Toffoli pediu vista. Isso significa jogar para as calendas gregas o fim do julgamento, embora já haja maioria formada em torno do entendimento no sentido de afastar o réu de seu cargo. O caso interessava diretamente ao presidente do Senado, Renan Calheiros.

Vejo nos jornais que o senador Randolfe Rodrigues apresentou substitutivo sobre a escandalosa questão do foro privilegiado. A proposta dele é ridícula. Por ela, continua valendo a prerrogativa de foro para crimes hediondos, contravenções e crimes de responsabilidade. Continuo sustentando que a exceção só deveria abranger os chefes dos Três Poderes (a linha sucessória do presidente da República).

Espero ter exemplificado algumas questões que precisam ser enfrentadas na tal da reforma política. Mas há outras, muitas outras: como punir para valer os responsáveis por desastres ambientais?

Sandra Starling

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