segunda-feira, 23 de maio de 2016

Rumo ao novo

O Ministério da Cultura, eterna aspiração de artistas e intelectuais brasileiros desde Gustavo Capanema, foi criado pelo primeiro presidente do PMDB, assim que se encerrou a ditadura. Trinta e um anos depois, quando um novo presidente do PMDB assume o poder, o MinC quase é extinto, virando secretaria incorporada ao Ministério da Educação. Um “puxadinho burocrático”, como disse com precisão Nelson Motta em sua coluna. O PMDB destruiria o que o PMDB criou, aquilo de que deve se orgulhar – uma forma democrática, moderna e eficiente de administração da cultura no Brasil.

Com sabedoria, o governo interino recuou e recriou o MinC, nomeando ministro da Cultura Marcelo Calero, até aqui secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, agora substituído pelo excelente Júnior Perim, fundador e animador do Circo Crescer e Viver (desde a nomeação para a Funarte de Guti Fraga, do Nós do Morro, um produtor de cultura popular não assumia um cargo dessa importância).

Conheço pouco Marcelo Calero, mas acompanhei com simpatia seu bom desempenho à frente da secretaria municipal. Cordial e discreto, Calero é um homem de diálogo, imagino sua aflição com as atuais tensões na área e com a radicalização do ódio na política brasileira. Mas o problema não é quem vai para o posto, e sim para onde vai o posto. Aliás, que posto é esse?

A convenção imprecisa e tácita em torno do que é cultura nos impede de pensar suas sofisticadas ambiguidades. Tudo aquilo que é invenção do homem, o que não pertence originalmente à natureza, é cultura. Da cerâmica marajoara aos games eletrônicos, tudo é criação humana e, portanto, cultura. É dessas criações que tiramos nossa singularidade, a identidade de nosso grupo ou nação.

A expressão cultural contemporânea é fruto de uma troca de experiências criativas e de sua oferta aos outros. Ou seja, de uma troca de bens materiais e imateriais entre seus consumidores. Isso é conhecido como “economia criativa”, não só fonte de valores espirituais, mas também instrumento de produção de riqueza e soft power.

Pesado, caro, inacessível à gestão de diletantes, o audiovisual, elemento característico dessa economia criativa, é um setor bem estruturado e bem organizado de nossa produção cultural. Suas políticas e seus instrumentos de fomento e regulação estão consolidados por leis e são bancados, além de por incentivos fiscais, não pelo Tesouro Nacional, mas pela Contribuição ao Desenvolvimento do Cinema (Condecine), uma taxa paga pelo próprio setor, hoje num valor de cerca de R$1,5 bilhão ao ano.

A soma dos orçamentos de equipamentos do audiovisual no MinC, como o Conselho Superior de Cinema, o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), a Agência Nacional de Cinema (Ancine), o Centro Técnico de Audiovisual (CTAV) e a Cinemateca Brasileira, equivale ou é mais elevada que a do restante do ministério somado. Sufocado, o audiovisual acaba sempre sufocando politicamente seus parceiros artesanais da cultura.

Hoje, o audiovisual responde por 0,46% do PIB brasileiro, de acordo com o IBGE, e injeta cerca de R$ 19 bilhões por ano na economia do país. Segundo pesquisa da Motion Picture Association na América Latina e do Sindicato Interestadual da Indústria do Audiovisual, feita a partir de dados do mesmo IBGE, o faturamento anual bruto da atividade é de R$42,8 bilhões. Com um peso econômico maior do que o da indústria farmacêutica ou o do turismo, o audiovisual gera 150 mil empregos diretos e indiretos, com remuneração acima da média nacional.

Com esse peso todo, não faz mais sentido subordinar o audiovisual às políticas das demais áreas da cultura, nem sufocar essas com seu gigantismo. O novo MinC é uma boa oportunidade para que se crie uma secretaria nacional, fortalecida, independente e específica da atividade.

Cacá Diegues 

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