— Existe a forma correta.
Também não sei se existe uma forma de direita ou de esquerda, conservadora ou progressista, de estruturar um organismo público de preservação e fomento dos bens culturais do país.
Deve existir uma forma correta.
De que tamanho? Com que objetivo? Quais seus limites? Secretaria enxuta de definição de políticas ou Ministério super estruturado para atender demandas da indústria do entretenimento?
O problema é que não parece haver ninguém habilitado a responder, a começar pelos artistas. Como na frase famosa de que guerra é assunto muito sério para ser entregue a generais, parece que a discussão sobre as dimensões de um órgão como esse é assunto muito sério para ser entregue a artistas.
Porque não vi uma argumentação convincente em toda a polêmica que se arma nas invasões e nas redes sociais contra a transformação do Ministério numa pasta vinculada ao Ministério da Educação, como foi até 1985.
A defesa de figurões respeitáveis como Marieta Severo, Fernanda Montenegro ou Caetano Veloso não passa de chavões, tenta luta política para desqualificar o governo que julgam ilegítimo ou, num maior esforço de argumento, que se trata de um retrocesso à data em que foi criado, há 30 anos.
Ora, por esse raciocínio, o que foi criado não pode ser extinto e basta uma existência para justificar uma continuidade, mesmo que não sobrevivam mais os motivos que gerou. Mesmo que funcione mal, seja deturpado ou, como parece ser o caso, mal se sabe explicar para que serve.
Políticas públicas
Não tenho dúvidas de que é necessário uma estrutura de serviço público para garantir a preservação do patrimônio histórico e artístico — museus, monumentos, bens imateriais — e estruturar planos e projetos de estímulo à produção de entretenimento cultural, da mesma forma que existe para estimular a produção de soja, roupas e máquinas.
Quando trabalhei na Secretaria de Estado da Cultura, entre 1985 e 87, uma diretora de planejamento muito brilhante horrorizou a classe artística ao defender que o Estado deveria pensar estruturalmente sobre suas prioridades de fomento na área de cultura da mesma forma que as definia para estimular a produção de leite, carne e minério de ferro.
Queria dizer que o Estado não poderia ficar refém das demandas dos que tinham acesso ao balcão da Secretaria para conseguir patrocínio a seus projetos. Um clientelismo tal e qual o dos fazendeiros que tomam dinheiro do Banco do Brasil, pulveriza os recursos e prejudica o investimento numa política de investimento de fato abrangente e democrática.
Como no caso do BNDES nos anos Lula e Dilma: ao invés de o Estado definir em que áreas convém investir — tecnologia, infra-estrutura ou turismo —, fica apagando incêndios localizados para atender demandas de balcão.
O atendimento por demanda e não políticas de Estado cria distorções como a do excesso de filmes produzidos ou espaços construídos sem público.
(Por um bom tempo no início dos 2.000, 1/3 dos filmes financiados com verba pública não conseguiram exibição, como se o ministro da Educação jogasse pela janela 1/3 da verba de merenda escolar. Por conta do lobby pesado da indústria cultural, Belo Horizonte ganhou nos últimos anos quase um dezena de grandes teatros e centros culturais para os quais não há suficiente demanda, nem de espetáculos de qualidade e nem público, na mesma área nobre onde há décadas se pede por um posto de saúde ou uma delegacia de polícia decentes.)
Nessa linha, considerando a atividade cultural um ramo da produção tão importante como a de laranja, carne processada ou software, ela poderia estar, quem sabe?, no Ministério da Indústria e do Comércio. Seus bens culturais abertos à visitação pública, como igrejas, parques e museus, poderiam estar num Ministério mais agressivo como o do Turismo, por exemplo.
Considerando que seja destinado a apenas definir as grandes políticas que estimulem o setor — Precisamos de teatros? Precisamos normatizar o financiamento? Precisamos criar incentivos à aquisição de obras de arte ou a produção de filmes e peças de teatro? —, uma Secretaria enxuta deve bastar.
Considerando que tenha que ser um grande balcão para atender demandas de todos os dias dos artistas que vão carimbar seus projetos para conseguir patrocínio por renúncia fiscal, qual o tamanho necessário? Há que ter uma representação em cada estado para os produtores não terem que viajar a Brasília beijar a mão do ministro?
Considerando que tenha que ser um Ministério autônomo mesmo, super estruturado, para quê, fora isso? Quais as vantagens?
Só imagino uma que ninguém disse e minha experiência na área pública me ensinou: numa estrutura autônoma, diretamente vinculada ao topo do comando da administração, o presidente da República no caso, facilita tudo.
É crucial para convencer e sentir o real interesse do comando central a suas políticas. Numa Secretaria, teria que convencer em pelo menos uma instância a mais, um ministro nem sempre tão afinado com os propósitos da área.
Ruptura a governos, qualquer governo
Toda a polêmica, se não serviu para esclarecer nada, restaurou um velho bem imaterial do país que é a velha oposição dos artistas a todo tipo de governo, qualquer governo.
Artistas sempre foram, por natureza, agentes de ruptura, de denúncia do status quo, de usar seu imenso poder de comunicação para mostrar que o rei está nu. Para o bem ou para o mal, nunca foram as pessoas mais indicadas para cuidar de números, gestão, burocracia. Têm por natureza d’alma certo desprezo pelo apego a bens materiais e acumulação de riqueza.
Seu espaço é o da praça pública, ir aonde o povo está, para falar em seu nome contra qualquer tipo de opressão e controle.
Ser de liberdade, nada mais avesso à alma de artista do que o comando.
Só mesmo nos governos Lula e Dilma, por um desses cataclismas que acontecem no espaço de gerações ou no realinhamento de planetas, é que eles aderiram e defenderam tudo o que o partido do governo defende, a ponto de inovar na assinatura de manifestos a favor.
Para o bem ou para o mal, a decisão do presidente Michel Temer de extinguir o Ministério devolveu-os ao lugar de onde nunca deveriam ter saído.
Voltamos à normalidade.
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