Em 2015, o direito de morrer foi debatido intensamente em sociedades que respeitam a vida. No Canadá, a eutanásia voluntária foi aprovada com amplo apoio da população. Embora rejeitada no Reino Unido, o debate reafirmou o direito à vida em um país que valoriza a qualidade da morte. Em nosso país, no ano que teima em não acabar, recuamos em mais um indicador que nos humilha como sociedade.
De um modo geral nos preocupamos com a qualidade de vida. Já a “qualidade da morte” não é valorizada em nossa cultura. Os avanços terapêuticos nos dão a impressão de que a morte é opcional e que a sua medicalização poderá retardá-la indefinidamente. No sentido de avaliar a qualidade da morte, a Fundação Lien, uma organização filantrópica em Cingapura, pesquisou os diversos aspectos que caracterizam a finitude. Estabeleceu um índice que permitiu a sua avaliação em diversos países do mundo. Gastos elevados e efetivos em sistemas públicos de saúde e acesso a cuidados paliativos de excelência foram avaliados.
Em 2010 e novamente em 2015 ficou claro que a qualidade da morte é superior no Reino Unido, que ocupa o primeiro lugar nas duas avaliações. Em 2010, entre 40 países, o Brasil ocupava a 38a posição. Superava apenas Índia e Uganda. Passados cinco anos, e agora em um grupo de 80 países, passamos para a 42a posição, superados inclusive por Uganda, que agora ocupa o 35o lugar.
No país do futuro, que em apenas um ano conseguiu perder mais de uma década, estes números não causam estranheza. Quando os promotores da saúde não valorizam a vida, por que se preocupariam com a morte? Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em outubro passado concluiu que 50% dos brasileiros acham que “bandido bom é bandido morto". O sistema público de saúde brasileiro, pretensamente único e universal, parafraseia todos os dias a mesma pesquisa e indica que “paciente bom é paciente morto".
Sim, eutanásia involuntária é crime. E é uma vergonha nacional.
Atribui-se à falta de recursos tamanha irresponsabilidade. De fato, alguns dos verdadeiros responsáveis agora se encontram atrás das grades. Mas as leis benevolentes de nosso país, apesar das multas bilionárias, não conseguirão resgatar as vidas desperdiçadas pela ostentação dos poderosos.
Vemos ainda a hipocrisia atingir o seu grau mais extremo quando um gestor afirma, desavergonhadamente, que “mesmo não recebendo, o médico deve atender pacientes”. Como uma vestal, ele atribui aos médicos uma qualidade que não possui: a responsabilidade com o trabalho. Assim como os demais governantes, deveria abrir mão do seu salário em solidariedade àqueles que não conseguem nem mesmo enterrar os seus mortos.
No país do “nós contra eles”, a criminalização do médico constitui mais uma infâmia, uma inversão de papéis. São eles, os governantes, os responsáveis pela anomia, pela instalação de regras que promovem a predação e não a cooperação.
O Natal sempre nos traz a esperança do novo ano. Entretanto, em 2015, a ministra Cármen Lúcia nos ensinou que, no Brasil, escárnio e o cinismo superaram a esperança.
Pobre 2016!
Daniel Tabak
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