— Isso soa a eufemismo vitoriano para gigolô — lançou o comediante Stephen Colbert.
— Poderia ser a criação literária de um José Saramago, Haruki Murakami ou Gabriel García Márquez — arriscou Carmen Graciela Díaz.
De lá para cá, a pasta já trocou de titular múltiplas vezes devido à óbvia dificuldade de pensar em estratégias de governo para um problema emocional e individual. Ainda assim, ao completar cinco anos de existência, o ministério já gerou filhotes no Japão e na Alemanha, criou demanda na Austrália e países escandinavos e integra definitivamente as preocupações do doutor Vivek Murthy, atual cirurgião-geral dos Estados Unidos, responsável pela saúde pública do país. Os argumentos de Murthy estão em recente relatório de 81 páginas: a solidão tem letalidade comparável à do cigarro para quem fuma 15 cigarros por dia e superior à do álcool pra quem consome seis doses diárias. Sem falar em possíveis desdobramentos numa série de doenças.
— Além de esmagar a alma, (...) a solidão quebra o coração, literal e figuradamente — resumiu o colunista do New York Times Nicholas Kristof.
Como as demais emoções, a solidão ou o sentimento de isolamento social são difíceis de mensurar. Em consequência, o êxito ou a inutilidade de intervenções destinadas a abrandá-los também são. A mera elaboração de um questionário capaz de captar o desalento íntimo de cidadãos já é complexa e exige dos recenseadores treinamento especial. Nesse quesito, o Office for National Statistics britânico (equivalente ao nosso IBGE) foi pioneiro, a ponto de captar o crescimento quase linear da solidão social entre jovens de 18 a 34 anos. Na Alemanha, é o inverso: o perigo ronda quem já ultrapassou a vida produtiva. O ambicioso programa interministerial A Connected Society, publicado com a criação do ministério de Theresa May, elencou mais de 50 estratégias para enfrentar a solidão nacional. Alocou fundos para pesquisa, contratou mais de mil funcionários públicos para conectar grupos comunitários, levou a Cruz Vermelha a instruir carteiros de todo o país a reportar sinais de isolamento social e muito mais.
Os resultados têm sido desiguais, claro. Soluções simples e baratas, como colocar bancos em corredores de blocos de apartamentos sociais, propiciam a prosa entre vizinhos. Abrir espaço, mesmo que mínimo, para pracinhas compartilhadas, instalar iluminação quente no lugar do branco hospitalar em estruturas públicas também. Médicos foram instruídos a prescrever atividades sociais, em vez de receitar remédios, e iniciativas locais receberam financiamento. Para a recente coroação do Rei Charles, o Ministério da Solidão organizou uma ação de voluntariado que fez sair da toca mais de 6 milhões de pessoas sem convívio social. Do outro lado do Atlântico, o cirurgião-geral adverte: se os Estados Unidos não tomarem medidas concretas, os que se sentem excluídos se retrairão ainda mais — e estarão mais zangados, mais doentes, mais à deriva. No Japão, onde uma conferência interministerial de emergência resultou dois anos atrás na criação do Ministério da Solidão e Isolamento, o enfrentamento da dor social é ainda mais difícil. Culturalmente enraizado na sociedade quase como virtude, o isolamento ainda é visto como algo estritamente pessoal, privado e de responsabilidade intransferível.
É de Julio Cortázar, na obra-prima “O jogo da amarelinha”, a descrição da “solidão absoluta que representa não contar sequer com a própria companhia, ter que entrar no cinema ou no prostíbulo ou na casa dos amigos ou numa profissão absorvente ou no matrimônio para estar pelo menos só-entre-os-demais”. É dela que devemos tentar arrancar quem está ao alcance de um esforço nosso. A sociedade como um todo agradece. Solidão não é solitude — a primeira corrói a alma, a outra, por opcional, pode ser linda.
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