terça-feira, 9 de novembro de 2021

Os crimes da fome

Como waecer o vídeo viralizado na internet essa semana, em que um homem numa rua deserta do Distrito Federal gritava para ninguém “é fome, por favor, é fome”, enquanto Bolsonaro se divertia na sua torre de pizza.

É nojento que um país com tanto potencial econômico seja capaz de produzir fome, seja capaz de produzir gente que usa como gôndola de supermercado o triturador de um caminhão de lixo, que precisa furtar comida estragada para sobreviver.

Tem sido constante o alerta de que aumenta vertiginosamente no país o número de furtos famélicos, ou seja, de pessoas que furtam alimentos para não morrer de fome.


Creio que esteja ainda fresco na memória do leitor o caso de uma mãe que havia sido presa por furtar um miojo e, no meio do mês passado, foi solta pelo STJ. Também imagino que esteja fresca a detenção de um senhor que furtou um absorvente para a esposa.

Nesse último caso, o STJ teve de conceder habeas corpus ao homem porque o Ministério Público recorreu da decisão de primeira instância que rejeitava a denúncia, sob alegação de que o “delinquente contumaz”, autor de um furto de R$ 13, deveria ser devidamente punido. Em segunda instância, finalmente, a Promotoria teve seu argumento acolhido.

Impressiona que muitos desses furtos tenham de ser resolvidos apenas pelos Tribunais Superiores, ou seja, pelo STJ e pelo STF. Será preciso que casos tão óbvios, envolvendo questões constitucionais de tanta relevância como a liberdade, tenham de chegar à Brasília para serem solucionados?

A pergunta Tostines que martela na minha cabeça é: os Tribunais Superiores julgam melhor essas questões porque os fiscalizamos de perto, ou os fiscalizamos de perto porque julgam melhor essas questões.

Alternativa E. Todas as anteriores estão corretas.

Não é raro que os Tribunais estaduais, muitas vezes sob insistência do Ministério Público, julguem em sentido contrário à orientação do STF – e ao bom senso, diga-se de passagem –, ignorando jurisprudência pacificada da Suprema Corte de que a ofensividade social tem de ser, acima de tudo, observada.

No entanto, também não é absurdo concluirmos que os holofotes da opinião pública, voltados diuturnamente aos Tribunais Superiores, sejam responsáveis por tornar esses julgamentos mais cuidadosos.

Se o holofote da imprensa pode embaralhar a visão do julgador, fazendo com que às vezes derrape, também torna sua atenção dedicada ao caso maior.

Como os crimes da fome não vão deixar de existir no Brasil – está mais fácil o Brasil deixar de existir – importante será que a atenção da opinião pública não se volte apenas aos Tribunais Superiores.

E ainda que apenas a esses Tribunais se dedique, que passe a apontar seus canhões de luz não só à soltura dos famintos, mas, principalmente, aos que os Tribunais Superiores não chegaram a tempo de soltar, inacessíveis que são tais Cortes à maior parte da população.

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