Foi a denominada “Constituição Cidadã” que consagrou um conjunto de garantias, direitos fundamentais e princípios que a sociedade hoje sequer imagina viver sem, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade de expressão, de imprensa e de associação, o pluralismo político, a cidadania e a separação entre os três poderes da República.
O estado democrático de direito instituído em 1988 e gradualmente fortalecido ao longo de mais de 30 anos, aliado a diversos outros fatores de ordem social, proporcionou um amadurecimento institucional que possibilitou o desenvolvimento de um trabalho harmônico de um conjunto de instituições de fiscalização e controle no combate à corrupção. Como reflexo dessas atividades, a corrupção chegou a ser considerada a principal preocupação dos brasileiros, sendo reputada como maior problema nacional, em pesquisa divulgada em 2017, pelo Latinobarômetro.
O aumento da percepção da corrupção no Brasil nos últimos anos, período de intensas atividades realizadas pelos órgãos de persecução criminal, foi demonstrado também pela Transparência Internacional e revela claramente que, não por obra do acaso, o avanço do combate à corrupção somente foi possível graças à existência de um ambiente democrático, com respeito às liberdades individuais, com instituições funcionando de forma legítima e regular e com uma imprensa livre para investigar e noticiar à sociedade os fatos apurados.
Ao lado disso, a independência do Ministério Público e do Poder Judiciário, garantida não apenas formalmente, mas em fatos concretos, como a escolha do procurador-geral a partir de lista tríplice elaborada pelo próprio Ministério Público e a autonomia orçamentária do órgão, bem como a independência de atuação limitada apenas pela Constituição e pelas leis, constituíram parte do conjunto democrático que impulsionou o combate à corrupção no Brasil.
Esse desenvolvimento progressivo do combate à corrupção foi viabilizado, ainda, por diversas criações e alterações legislativas supervenientes à Constituição Federal de 1988, como a Lei de Improbidade Administrativa (1992), a Lei de Acesso à Informação (2011), a Lei das Organizações Criminosas (2013), a Lei Anticorrupção (2013) e a alteração da Lei de Lavagem de Dinheiro em 2012, demonstrando a relevância da atuação de todos os três poderes da República, com respeito aos princípios constitucionais da separação e da independência entre eles, e a delimitação do sistema de freios e contrapesos, também para a luta contra a corrupção e impunidade.
A verdade é que o trabalho de combate à corrupção, longe de se encerrar com o processo e julgamento dos responsáveis pelos crimes de corrupção, reflete direta e indiretamente na construção de um país melhor, mais justo e igualitário, onde a lei tenha a mesma validade para todos e prevaleça o respeito às instituições democraticamente constituídas, às garantias e liberdades constitucionalmente asseguradas e ao pluralismo de ideias.
Jerusa Burmann Viecili, procuradora da Operação Lava Jato, em Curitiba
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