Senti-me, na semana que passou, arrebatada por esse sentimento de impotência de quem “já partiu ou morreu”, que torna cada vez mais distante de nós o “espírito da utopia” de que falava o filósofo alemão Ernst Bloch, um dos ícones daquele ano “que não acabou”, como diz Zuenir Ventura. E me pergunto: o que nos aguarda no próximo ano?
O último petardo norte-coreano a sobrevoar a ilha japonesa de Hokaido indica que podemos estar no limiar de uma catástrofe nuclear de dimensões indizíveis. O inexplicável silêncio da ministra das Relações Exteriores birmanesa, Aung San Suu Kyi, notável militante dos direitos humanos e, por isso, laureada com o prêmio Nobel da Paz de 1991, hoje omissa frente à limpeza étnica dos rohingyas, promovida pelas Forças Armadas de seu país, nos leva a não acreditar que pessoas de bem possam se tornar bons governantes. Na Itália, o Ministério Público (que, um dia, promoveu a operação Mãos Limpas) propõe criminalizar ativistas que, à revelia das autoridades, buscam socorrer refugiados africanos nas costas da Líbia. O furacão Irma passa pelo Caribe e pela Flórida, deixando um rastro de destruição, e estúpidos ainda desdenham de pesquisadores que nos advertem sobre os desastres climáticos provocados pelo aquecimento global. O desemprego estrutural e a precarização do trabalho campeiam mundo afora, no mesmo ritmo de suas óbvias e inevitáveis consequências: violência social, terrorismo e fascismo. É incrível que palavras como “racismo”, “estupro” e “escravidão” ainda estejam em nossas agendas.
Mas, apesar de tudo, leio algo que ainda alimenta em mim o “princípio esperança” de Ernst Bloch. Em meio ao espírito de reconciliação promovido pelo papa Francisco em sua recente viagem à Colômbia, um filho de Pablo Escobar e outro, de uma das vítimas do mais temível narcotraficante de que se tem notícia, se abraçam e se irmanam em nome do perdão, da paz e da concórdia.
E me lembro, então, do saudoso Adoniran Barbosa: “Se assoprarem, debaixo desta cinza tem muita lenha pra queimar”...
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