O que foi que fez a diferença?
Ouso afirmar que foi a qualidade da cobrança.
Quando trata do desastre nacional para o público doméstico a imprensa brasileira incorpora não só a linguagem como também as premissas postas pelas partes interessadas no lado “sistêmico” da nossa desgraça. Ao aceitar como irredutíveis e “normais” todos os privilégios de que se apropriou a casta dos políticos e dos funcionários do Estado pesando aqueles 46% do PIB que nos esmagam (36% de impostos + 10% de déficit), tudo que resta aos jornalistas para discutir com os “especialistas” e “cientistas políticos” que aceitam esse mesmo limite é a momentosa questão de “como resolver o problema do Brasil” excluída a alternativa de resolver o problema do Brasil que é precisamente o peso desses privilégios e a metástese da corrupção que necessariamente decorre da aceitação pacífica deles como um meio de vida legítimo sempre ao alcance da mão de todo “concurseiro” ou simples puxa-saco que se dispuser a se bandear do oceano dos explorados para a nau dos exploradores.
As Tentações de Cristo foram menores…
O que aconteceu com a Olimpiada foi um estranho jogo dialético. Sob os ecos da intervenção do “xerife” americano que lancetou o furunculo da Fifa, da Lava-Jato que pela primeira vez abalou a incolumidade da cleptocracia brasileira e da culpa por ter aplaudido o logro do lulismo, a imprensa estrangeira comprou o mau humor da nacional para com a realização dos jogos no meio da nossa maior crise economica e de identidade. E o fez com tanto empenho e azedume que acabou por ferir-nos os brios a ponto daquela “azaração” toda transformar-se na mais recorrente pauta pré-olímpica da imprensa nacional.
Ao passar a cobrir a cobertura da imprensa estrangeira, porém, a nacional inadvertidamente importou junto a superação dos limites que ela própria se impõe ao tratar do drama do Brasil e – das condições da infraestrutura de saneamento, de segurança e de transporte publico para baixo – foi sendo empurrada para um escaneamento fino do Rio de Janeiro que, hipnotizada pelas pernadas e pedaladas dos contendores da luta pelo controle do “Sistema”, ha muito tempo ela se desacostumou de fazer.
E fez-se então a luz, como sói fazer-se sempre que a imprensa faz o seu papel de atrair todos os olhares para onde os problemas realmente estão: da prefeitura carioca à Presidência da Republica não restou a nenhum dos que passaram a ser cobrados sem meias palavras, nas menores minucias, com a mais desenfreada urgência senão responder com ações enérgicas a tempo e à hora, sob pena de opróbio planetário e perda para sempre da condição de prosseguir na carreira política.
É um santo remédio, e sem substituto conhecido, esse tipo de pressão!
Passado o momento mágico, porém, aquele ímpeto já começa a arrefecer e os debates estéreis sobre como tornar a nossa democracia “efetiva” sem tocar na teta dos impostos dos sindicatos, dos partidos políticos e dos “movimentos sociais” que a falsifica; como “acabar com a impunidade” sem revogar a desigualdade perante a lei que a Constituição consagra; como melhorar a qualidade da educação e do serviço público mantida a indemissibilidade geral e o atrelamento da progressão do salário à chantagem e não ao desempenho, voltam a dominar as telinhas nos intervalos da tragicomédia do impeachment.
A Olimpíada provou que, de cima do trilhão e meio de reais que se arrecada por ano em impostos, não nos falta dinheiro nem nos falta “know how” para fazer melhor que os melhores do mundo. Falta, sim, a reverência aos brasileiros que nossos políticos dão aos estrangeiros e, sobretudo, para obriga-los a ela, o foco no essencial e o empenho na cobrança que a imprensa mostrou ao cobrir o Brasil para os estrangeiros mas não mostra quando cobre o Brasil para os brasileiros.
Não é para se ufanar o fato desse Rio de Janeiro da Olimpíada e desse Brasil que funciona só durarem o tempo de uma festa, dessa transitoriedade ser assumida pelos autores do feito e – pior que tudo! – dessa excepcionalidade ser pacificamente aceita pela imprensa que devia falar pelos eleitores. Ser vira-lata, senhoras e senhores, é ter medo de parecer vira-lata … e ficar só nisso.
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