John Holcroft |
Há alguns dias, Anderson França, o Dinho, grande escritor que despontou para o mundo dos livros impressos e distribuídos nas livrarias através da internet, autor de “Rio em shamas” (Editora Objetiva), conversava com os seus seguidores a respeito do eterno dilema de quem publica no Facebook — que, ao contrário do YouTube, e de blogs que eventualmente lucram com anúncios, não remunera ninguém:
“Faço textos e crônicas de graça porque me realizo” escreveu o Dinho. “Mas entendo o argumento de quem diz que entretenho milhões de pessoas, e só o Mark ganha.”
Este é o drama de todos nós que produzimos conteúdo para a maior rede social de todos os tempos. Escrevemos — ou fotografamos ou fazemos arte e vídeo — porque gostamos, porque nos realizamos quando nos comunicamos com outras pessoas, mesmo percebendo que, enquanto doamos tempo e talento, quem realmente ganha com a nossa produção é ele, o Facebook. Isso é especialmente complicado para quem vive da sua produção intelectual, e que, apesar de contabilizar milhares de seguidores, continua enfrentando dificuldades. Likes, como aprendemos rapidamente, não pagam o aluguel.
O problema é que o ser humano é o único animal que conta histórias. Das cavernas da Serra da Capivara, em que desenhos e pinturas nos falam de caçadas ocorridas há 50 mil anos, às telas de milhões de computadores e de celulares espalhados pelo planeta, formamos, desde que viemos ao mundo, extensas teias de conversas e de lembranças. Somos tão movidos pelo desejo de dividir sonhos e experiências quanto pelo de registrar o que nos acontece para tentar entender o mundo; uma atividade de tal forma necessária que, por vezes, chega a prescindir de plateia e de reconhecimento.
(Isso explica os longos diários das nossas avós fechadinhos a chave, os livros inéditos trancados nas gavetas que os autores não abrem para ninguém, ou, mais recentemente, os milhões de textos soltos na internet em blogs que contemplam o nada. Tanto faz que ninguém leia; muitas vezes, o importante é pensar, escrever, guardar memórias enquanto ainda estão frescas.)
É com essa necessidade imperiosa de comunicação que contam as redes sociais, que nascem e se formam de um desejo atávico marcado no DNA humano desde a pré-História. Em tese, a sua própria existência é a “remuneração” que oferecem, ao abrir plataformas que promovem o encontro de pessoas. Nessas praças gigantescas, as funções se sobrepõem: somos ao mesmo tempo picadeiro e plateia, consumidores e objeto de consumo.
O YouTube remunera os geradores de conteúdo porque ninguém está no YouTube por acaso, batendo papo — as pessoas vão ao YouTube para ver alguma coisa, e se essa alguma coisa não for interessante, deixarão de ir. O conteúdo que produzimos traz as pessoas de que o Google precisa. Já o Facebook, ao contrário, oferece público para o nosso conteúdo: essa é a sua moeda.
Um dia isso talvez se resolva. Pode ser que daqui a algum tempo, encontradas ferramentas de monetização (ô palavra horrível!), a gente olhe para trás e se espante:
— Mas como foi que produzimos tanto sem ganhar dinheiro?
Até lá, continuaremos nos encontrando todos os dias no planeta azul do Zuckerberg, gerando montanhas de conteúdo uns para os outros — e lucro, muito lucro... para ele.
Cora Rónai
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