Desde a Antiguidade, as culturas ocidentais mostram uma preocupação em dividir a vida humana em fases buscando encontrar nelas alguma ordem e previsibilidade. Estas são marcadas, de um lado, por eventos biológicos, como puberdade, menarca, maternidade, menopausa, viuvez, senilidade, morte etc.; e por outro, por eventos sociais, como formatura, primeiro emprego, casamento, aposentadoria etc. Ao longo da história, o Estado moderno assumiu questões que eram da ordem privada e familiar e passou a regulamentar as etapas do curso da vida. Estas são normatizadas do nascimento à morte, com ênfase na escolarização, entrada e saída do mercado de trabalho e aposentadoria (Debert, 2010).
Até pouco tempo atrás, consideravam-se apenas três fases: primeira (infância e adolescência); segunda (vida adulta); e terceira (velhice). A entrada no mercado de trabalho é um dos eventos que marca o início da vida adulta para os homens e, da mesma forma, a saída dele, via aposentadoria, é o que caracteriza a entrada na última fase da vida ou a velhice. Ou seja, os homens têm a vida pautada pelo mercado de trabalho, dado que a escola, que marca a infância, pode ser considerada como o evento preparatório para ele. Para as mulheres, casamento e maternidade ainda são os eventos mais importantes na sua inserção social nessa fase da vida, muito embora a sua participação, tanto na escola quanto no mercado de trabalho, tenha crescido (Camarano, 2006).
O que se pretende chamar a atenção nesta nota é para o crescimento do número de homens brasileiros de 50 a 69 anos que não trabalhavam, nem procuravam trabalho e nem eram aposentados entre 1992 e 2012. Estes homens passarão a ser chamados de “nem nem”. Constituíam 4,2% dos homens nessa faixa etária, em 1992, e passaram a constituir 7,9% em 2012. Esse aumento ocorreu devido à redução da sua participação na atividade econômica e foi mais elevado no grupo 50-59 anos. Por outro lado, embora a proporção de mulheres nessa categoria seja predominante, a proporção de mulheres nessa condição diminuiu de 23,4% para 18,8%.
O fenômeno dos “nem nem” foi primeiro observado entre a população jovem, no caso jovens que não estudavam e nem trabalhavam. No grupo de jovens também predominam as mulheres, mas tem se observado um aumento no número de homens de 15 a 29 anos e uma redução no número de mulheres.4 Por razões diversas, tal fenômeno pode apresentar implicações socioeconômicas importantes nas duas situações. No presente trabalho, chama-se a atenção para o novo regime demográfico, que já está requerendo uma permanência mais longa do trabalhador na atividade econômica para compensar, pelo menos parcialmente, os efeitos negativos do envelhecimento populacional e da redução da oferta de força de trabalho. No entanto, o que se observa entre os homens brasileiros, não é apenas uma aposentadoria precoce, mas, também, uma parcela crescente que deixam o mercado de trabalho sem se aposentarem. Isto leva a se perguntar em que fase da vida esses homens podem estar alocados, ou se novos eventos/papéis sociais estão caracterizando a vida dos homens brasileiros.
A pergunta principal desta nota técnica é se esses homens estão em condições de vulnerabilidade: não procuram trabalho por desalento, não estão aposentados por falta de um histórico de contribuições e/ou estão inseridos em uma família capaz de garantir-lhes a sobrevivência básica até conseguirem uma posição satisfatória no mercado de trabalho e/ou se aposentarem. O objetivo desta nota é traçar um perfil desse subgrupo populacional, tendo como pano de fundo as vulnerabilidades e potencialidades advindas do contexto familiar no qual ele está inserido, comparando com as outras possibilidades de inserção social. Parte-se do pressuposto de que idade, escolaridade, estado conjugal, condição no domicílio e renda domiciliar afetam a alocação do tempo desses indivíduos.
Leia mais o artigo de Ana Amélia Camarano e Daniele Fernandes
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