sábado, 24 de outubro de 2015

Presunção de culpa

Quando se afirma que “a presidente Dilma é pessoalmente íntegra e correta” – fundamento que o governismo sustenta, sem que a oposição o contradiga ou ao menos o ponha em dúvida -, em que exatamente se está baseando?

Nem mesmo o princípio de presunção de inocência, que fundamenta o direito, cabe com conforto nessa premissa, tendo em vista os fatos que a cercam, desde que assumiu seu primeiro cargo, de ministra de Minas e Energia, no primeiro governo Lula.

A sequência fática só piora as coisas. É só conferir.

Culpa (Foto: Arquivo Google)

Eduardo Cunha, até aqui apresentado como o grande vilão político do Petrolão - o que é pouco mais que uma piada, tendo em vista que o comando da rapina jamais deixou de ser do PT -, também era inocente até que as contas na Suíça aparecessem.

Mas os sinais de que tal presunção era frágil já estavam evidentes bem antes – e, por isso mesmo, ninguém se atrevia a evocá-la quando seu nome era mencionado. Bem ao contrário, prevalecia a presunção de suspeita, mesmo sem as denúncias.

Há situações – e a de Cunha é uma delas – cuja eloquência precede os documentos (às vezes, até mesmo os dispensa).

Vejamos agora o que há no entorno de Dilma. Quando a roubalheira sistêmica se instalou na Petrobras, a partir de 2003, ela era, por dupla via – ministra de Minas e Energia e presidente do Conselho de Administração da empresa -, a autoridade máxima e responsável. Como é de seu perfil, jamais a delegou.

Corrupção, sabemos desde os tempos em que a direção da Petrobras destruiu Paulo Francis, na década dos 90 do século passado, nunca foi novidade por lá. Mas jamais assumiu a natureza sistêmica e bilionária que lhe impôs o lulismo, ao ponto de se transformar, segundo o The New York Times, no maior escândalo financeiro da face da Terra.

O ex-gerente Pedro Barusco, que sozinho amealhou (ou por outra, devolveu) quase 100 milhões de dólares, que o diga. O escândalo internacional da Fifa envolveu algo em torno de 150 milhões de dólares – ou seja, um Barusco e meio, personagem secundário na bacanal financeira da empresa.

Detalhe: estamos falando apenas da Petrobras; há ainda a Eletrobras, o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, os fundos de pensão etc.

As contas até aqui feitas pela Lava Jato já passam dos 20 bilhões de reais. Ainda estão longe dos 88,6 bilhões que o balanço da Petrobras, ainda sob a presidência de Graça Foster, constatou.

Saiu-se, pois, do milhão para o bilhão com a maior naturalidade. Quando do primeiro escândalo revelado, a compra superfaturada – e põe superfaturada nisso - da refinaria de Pasadena, nos EUA, Dilma autorizou a operação.

Disse posteriormente que não sabia da tramoia, como se isso a absolvesse. Não saber – e estamos diante de uma questão de fé: crer ou não crer – só acrescenta o ingrediente da incompetência ao da imoralidade. Não o reduz – em contundência ou em responsabilidade penal - em um só milímetro.

Nestor Cerveró, que era o diretor do setor, declarou ao Ministério Público que teve nada menos que nove reuniões com Dilma a respeito de Pasadena. Bastava uma - ou não?

Dilma, segundo ela própria, fora enganada por Cerveró com um relatório incompleto. Se percebeu que estava incompleto, por que não requereu um completo? Afinal, sempre se disse uma especialista na matéria. Na sua santa indignação, “puniu” Cerveró, promovendo-o a diretor financeiro da BR Distribuidora. Como castigo, deu-lhe um dos mais cobiçados cofres da empresa.

Outros cinco delatores premiados – alguns também ex-diretores da Petrobras, nomeados ou mantidos no cargo pela presidente – afirmam que as duas campanhas presidenciais de Dilma (além da anterior de Lula, em 2006) foram abastecidas com dinheiro roubado da Petrobras. O dinheiro era “lavado” na Justiça, como “doação legítima” por parte dos empreiteiros gatunos. Crime perfeito. Ela – que prometera “fazer o diabo” para ganhar a eleição - também não sabia de nada. Claro, claro.

Imagine-se, por exemplo, se Eduardo Cunha, em sua defesa, sustentasse que desconhecia ter contas secretas na Suíça. É tão verossímil quanto alguém, responsável pela Petrobrás por mais de uma década – e com perfil administrativo profundamente centralizador -, alegar que não percebeu os bilhões que de lá saíam pela janela. Pior: parte deles indo diretamente para os cofres de seu partido e para o caixa de sua campanha eleitoral. Duas campanhas, registre-se.

Dilma afirmou que não conhecida Paulo Roberto Costa, o “Paulinho do Lula”, que, no entanto, foi instado a contribuir, com parte da propina que extorquira da Petrobrás, cerca de 2 milhões de reais, para a campanha dela, segundo Fernando Baiano. Não o fizesse, deixaria o cargo, o que dispensa comentários.

O mesmo Paulo Roberto garantiu que Dilma “sempre soube de tudo”. Pois é: mas Dilma, que “não conhecia” Costa, o manteve no cargo e o incluiu entre os convidados para a cerimônia de casamento de sua filha, acessível apenas aos íntimos.

Como se vê, o ambiente nem é presuntivo, nem muito menos inocente. E o empenho geral, sobretudo da presidente, em evitar que haja julgamento, transcende as suspeitas. Quem se sabe inocente não adia, mas, inversamente, clama por julgamento.

Do bate-boca que a presidente teve, diretamente da Suécia, com Eduardo Cunha, há dias, o mínimo que se pode dizer é que ambos têm razão.

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