sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Noite dos mascarados

Não eram como aquelas máscaras charmosas parecendo de louça de tão caprichado acabamento que nem aquelas máscaras dos carnavais de Veneza, a cidade aguada que ainda se mantém como se flutuasse sob suas histórias e lendas na geografia da Itália.

Máscara na origem, quero dizer no teatro grego, e também no teatro romano, servia para encobrir o rosto do ator que no enredo da peça em cartaz daria vida à personagem.

Com o tempo, o que se restringia ao teatro, no caso a máscara, ultrapassou as fronteiras dos palcos, ganhou os salões das festas, acobertou anonimatos nas alegrias das ruas e por que não, também, nos assaltos à mão armada.

A máscara dos assaltantes, é claro, dispensa sofisticação ou originalidade, sendo exemplo clássico a dos Irmãos Metralhas que, aliás, parecem trigêmeos, caras e focinhos iguais.



Na Ilha de São Luís houve um tempo em que as alegrias encabuladas ou extravasadas, dependentes de disfarces, sem outra saída, recorriam à máscara.

Eram muitos, nos carnavais, os bailes de mascarados nos subúrbios distantes. Anonimatos em segurança era por ali mesmo. Acontece que tem gente que se esconde atrás da máscara e como se diz sobre os bichanos acabam ficando com o rabo de fora. Ou seja, o que lhes delata é o rabo.

Gordo, magro, baixinho, altão, afinando ou engrossando a voz, por mais confiante que se mostre, o disfarce não convence.

Pelas tantas, os salões cheios, suor escorrendo e encharcando fofões, eis que num tom de voz afeminado um mascarado se dirige ao outro – eu te conheço, carnaval!

(Carnaval era o vocativo com o qual eles ou elas se tratavam entre si. No linguajar deles, equivalente, digamos assim, a vossa excelência, quem sabe?)

Como na marchinha do Chico, "seja você quem for, seja o que Deus quiser", rolavam lances inimagináveis para a moral vigente de então.

Foi quando um Prefeito, o primeiro saído de um parto de urna, vontade do povo, voto direto, achando que iria agradar às famílias em suas sacralidades às descobertas, editou portaria proibindo máscaras nos bailes das periferias.

E não deu outra, - o povão reagiu e se revoltou. Primeiras páginas todo dia, repórteres de rádio nas portas dos bailes entrevistando mascarados. Naquele tempo, como diriam os evangelhos, ainda não havia TV-delivery.

Lembrei-me dos bailes de mascarados na Ilha do Amor enquanto assistia ontem pela televisão o desfile das personas ao microfone no plenário da Câmara dos Deputados declarando voto, sim ou não, ao arquivamento ou seguimento das acusações para tirar dos cargos o atual Presidente da República e dois dos seus mais achegados Ministros, confirmando ou não denúncias do então Procurador Geral da República, aquele que se celebrizou não pelo deixasse de fazer, mas com aquela frase mais adequada hoje a beligerâncias selvagens bem antes da entrada em cena do Caramuru, – enquanto houver taboca, vai haver flecha!

Quando o a tarde cansada da seca parecia bêbada pelos cantos de tanto esperar pela noite com suas invariáveis, nunca se viu tanta raiva mal ensaiada tanto de um lado quanto do outro.

Muita indignação. Como se aqueles atores ou atrizes encenassem uma peça de autoria anônima, quiçá coletiva, mas com direitos autorais reservados a cada um deles, traduzíveis em votos eleitorais. Ledo engano. Diga de lá, Ledo Ivo, meu grande poeta!

Como os antigos carnavalescos da Ilha do Amor, guardei o meu segredo, mas liberando o riso, fazendo de conta que nem conhecia bem de perto muitos deles. Muitos mesmo, apesar das máscaras. Todas iguais.

Edson Vidigal

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