É uma má notícia para quase metade dos brasileiros que têm a percepção de viver em áreas sob influência das facções criminosas. Segundo levantamento nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública feita pelo Instituto Datafolha em agosto passado, 23% dos entrevistados consideram que é alta a chance de que o crime organizado ou facção atue em sua vizinhança. Outros 26% responderam que a chance é média. Fenômeno antes restrito principalmente a São Paulo e Rio de Janeiro, hoje as facções estão presentes dentro e fora dos presídios de todos os Estados – com conexões internacionais nos principais países produtores de cocaína da América do Sul.
“É preciso rever a política de guerra às drogas, que não deu certo em lugar nenhum do mundo”, diz Camila Dias, socióloga da Universidade Federal do ABC e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP. “É difícil, quando vemos estas cenas de violência, tentar lidar com isso dizendo que é preciso romper com a política de encarceramento em massa e combate às drogas. Mas se você olhar para as ultimas duas décadas, foram justamente estes dois fatores que provocaram esta crise”.
O fracasso da guerra às drogas no Brasil é constatado até mesmo por quem atua dentro do Estado: “A guerra às drogas é perdida, irracional”, afirmou o ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro José Maria Beltrame em 2015. Enquanto muitos países começam a flexibilizar sua política de repressão e permitir o uso recreativo de algumas drogas leves, como é o caso da maconha nos Estados Unidos, o Brasil continua seguindo a mesma política de enfrentamento adotada nos anos de 1960. Aqui, a chamada guerra às drogas começou em 1961, antes mesmo do então presidente dos EUA Ronald Reagan ir à TV em 1986 com seu famoso discurso anti-drogas. “Houve uma convenção no Rio para discutir drogas e uso de tóxicos. E o que se seguiu foi um progressivo endurecimento das leis e ai o combate deslanchou. À partir daí tudo piorou”, afirma Michel Misse, professor titular de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e fundador do Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana.
Mesmo no período democrático a legislação manteve o viés de enfrentamento. A lei de drogas sancionada pelo então presidente Lula em 2006 endureceu a pena para o pequeno traficante sob o verniz de fazer a distinção entre usuários e traficantes. Na prática, o local de residência da pessoa detida pela polícia continua sendo o parâmetro usado pela polícia e pelo Judiciário para distinguir o primeiro do segundo. “Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”, diz o artigo 27 da lei. “Como a lei não especifica a partir de qual quantidade de posse você é traficante ou usuário acaba ficando a critério dos agentes públicos”, afirma Misse.
O professor defende a legalização das drogas como única solução possível para romper o ciclo de violência. “Ela [a legalização] é estratégica, não só para o funcionamento da Justiça e para a pacificação das relação sociais. Mas na América Latina é possível dizer que o Estado de Direito depende disso. Isso é ponto pacífico, é consenso na academia”, afirma Misse. Ele, no entanto, é pessimista quanto à possibilidade da legalização avançar no Brasil, seja via poder Legislativo seja via Supremo Tribunal Federal. “Somos um país conservador. Veja o tempo que demorou para aprovarmos uma lei do divórcio! [a lei do divórcio brasileira é de 1977]”. O STF chegou a discutir a descriminalização da maconha, mas a votação foi suspensa em agosto de 2017 após o falecido ministro Teori Zavascki pedir mais tempo para analisar o tema. O placar estava 3 a 0 para a descriminalização.
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