segunda-feira, 6 de maio de 2019

Pedagogia da agressão

Por que a maioria das grandes reformas educacionais fracassa, e um pequeno número próspera? Esta foi a pergunta que moveu os pesquisadores David K. Cohen (Universidade Michigan) e Jal D. Mehta (Harvard) num estudo que já citei aqui, publicado em 2017 no jornal da Associação Americana de Pesquisa Educacional (Aera). Na pesquisa, Cohen e Mehta mapeiam quase todas as grandes propostas de mudança na política educacional dos Estados


Uma delas foi o fato de terem oferecido soluções para problemas que os profissionais da educação sabiam que tinham e queriam resolver. Outras foram bem-sucedidas quando, mesmo tratando de um problema que os professores não observavam, acabaram convencendo-os do desafio e oferecendo soluções. Algumas reformas em larga escala prosperaram porque havia forte pressão de um conjunto amplo de atores públicos em favor delas. Quase todas que deram certo foram eficientes também porque ofereceram a infraestrutura - ferramentas, materiais pedagógicos e formação - necessária para colocar as mudanças em prática.

Uma das principais constatações é que, sem diálogo com os professores, é muito mais difícil uma reforma prosperar, por melhor ou pior que ela seja. Isso não significa que mudanças que não atendam a interesses imediatos dos docentes estejam necessariamente fadadas ao fracasso, mas o estudo indica que seu caminho tende a ser muito mais árduo, ainda mais se não houver forte mobilização da sociedade em seu favor.

O governo Bolsonaro mostra-se despreocupado em criar qualquer uma das condições acima na educação. Pelo contrário, o setor parece ter sido escolhido como palco preferencial das batalhas ideológicas, tendo em geral os professores como alvo. Foi assim, por exemplo, quando o próprio Presidente publicou em seu Twitter um vídeo de uma discussão entre uma aluna e uma professora de cursinho em sala de aula, fato que foi seguido de uma declaração do ministro Abraham Weintraub de que aquele era um direito da estudante. Não era, como logo explicaram vários juristas. Pode-se até discutir se a professora ou a aluna estavam certas ou erradas, mas expor o vídeo no Twitter presidencial serviu apenas para elevar o clima de confronto.

A artilharia principal, porém, foi contra as universidades públicas. No início do mês passado, Bolsonaro já havia dito que poucas universidades faziam pesquisa, e que a maioria estava concentrada em instituições privadas. É justamente o contrário: mais de 90% da produção científica brasileira é feita em universidades mantidas pela União ou pelos Estados. Na sequência veio o ataque aos cursos de sociologia e filosofia, seguido da ameaça de punição do ministro a instituições que promovessem “balbúrdia”, e do corte em verbas de todas as instituições de ensino superior e do Colégio Pedro II. Diante da reação, Weintraub continuou alimentando o clima de confronto, dizendo que "quem conhece universidades federais, perguntar sobre tolerância ou pluralidade aos reitores (ditos) de esquerda faz tanto sentido quanto pedir sugestões sobre doces a diabéticos”.

Essa tática de confronto permanente serve para animar a militância radical do Bolsonarismo, mas ao mesmo tempo vai minando a capacidade de promover a partir do Executivo federal qualquer mudança profunda no setor. Mesmo em ações em que eventualmente parte da comunidade educacional possa estar de acordo, o custo de apoiar uma iniciativa de um governo em constante confronto com os professores torna-se altíssimo. A Pedagogia da Agressão, para quem quer realmente transformar a educação brasileira, é péssima estratégia.

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