sábado, 8 de dezembro de 2018

Desmatar para aquecer, aquecer para empobrecer

Engana-se quem pensa que o novo presidente não tem política ambiental. Ela pode não ser compatível com a Constituição de 1988 ou com o interesse nacional, mas é conhecida. Nela não cabe Ministério do Meio Ambiente, Acordo de Paris, sediar conferência climática (COP25) ou exercer qualquer liderança internacional na proteção ao meio ambiente. Não cabe índio nem quilombola. Não cabe árvore em pé. Não cabe ciência, nem a do clima e muito menos a que estuda os serviços (ecossistêmicos) que as florestas nos prestam. As condições de vida da sociedade brasileira e o desenvolvimento econômico dependem desses serviços. Mas Bolsonaro professa a filosofia de um aforismo: “Desmatar para aquecer, aquecer para empobrecer”. Essa política serve mais aos interesses do crime organizado em torno da apropriação de terras públicas do que ao país. Serve ao agronegócio primitivo, não ao moderno.


Desmatar é o seu fim, no duplo sentido de “fim”: como “propósito”, na tentativa de maximizar ganho imediato da bancada dos amigos, sem enxergar perdas ao país dois palmos à frente; e como “ocaso”, pois esse mesmo agronegócio predatório, por razões climáticas, não sobrevive dois palmos à frente.

Há dois pretextos falsos por trás da vanguarda antiambiental. O primeiro é que soja e boi na Amazônia desmatada são mais importantes para o Brasil que floresta em pé. Só que 65% do que foi desmatado até hoje corresponde a pastos de baixíssima produtividade. Relatório do International Institute for Sustainability precificou os serviços: por hectare de floresta em pé, a Amazônia nos paga R$ 3.500 anuais (biodiversidade e saúde nem entraram no cálculo); a pecuária paga até R$ 100; a soja até R$ 1.000. A Amazônia em pé ainda atrai investimento estrangeiro (ciente do ganho futuro) e comércio internacional. A troca não é de floresta por produção de riqueza. A troca é de biodiversidade, água e clima por desperdício e ineficiência.

O segundo pretexto é que desmatar vai permitir tirar a Amazônia da pobreza. Se assim fosse, haveria sinais de que isso já acontece. Dados do Índice de Progresso Social, contudo, põem a Amazônia na lanterna da melhoria das condições de vida do brasileiro. Desmatar é forma de gerar pobreza, não riqueza.

O projeto não padece apenas de inconstitucionalidade, mas de pré-constitucionalidade. Inconstitucionalidade há quando regra legal viola algum princípio constitucional. O vício de pré-constitucionalidade é de outra ordem: consiste num desafio estrutural e deliberado à identidade essencial da Constituição de 1988, na busca de ressuscitar de contrabando um projeto do passado, ao qual a Assembleia Constituinte declarou “nunca mais”.

Essa identidade essencial inclui o direito de todo brasileiro (de gerações presentes e futuras) ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225); a prioridade absoluta às condições de vida de crianças (Art. 227); o direito dos índios a sua organização social e tradições, além de direitos territoriais (Art. 231).

Para o presidente eleito, “nosso projeto para o índio é fazê-lo igual a nós”. Prometeu aos “xiitas” do Ibama, que aplicam multas previstas em lei, que a “festa vai acabar”. Não contou que cerca de 97% das multas ambientais no Brasil não são pagas. Dos 3% que sobram, 90% são convertidos em plantios, limpeza etc. “A Amazônia não é nossa”, frase exclamada na campanha, poderia ser interpretada como compromisso de um estadista visionário, ciente do papel da Amazônia para o equilíbrio climático global. Em contraste com José Sarney, que na ONU em 1989 afirmou: “A Amazônia é nossa, afinal está situada em nosso território”, a frase de Jair soa cosmopolita demais. Não é mesmo o que você está pensando.

Bolsonaro, verdade, não está sozinho. Temer e Dilma nunca foram grandes defensores da Amazônia. Entre 2017 e 2018, o desmatamento voltou a subir. O cientista climático Antonio Nobre diz que “precisamos de uma mobilização semelhante a um esforço de guerra” para que a Amazônia escape da savanização em futuro próximo. Bem que a pulsão de guerra de Bolsonaro podia ser canalizada para salvar o maior patrimônio brasileiro em nome do interesse nacional e das futuras gerações. Seu mote não é “Brasil acima de tudo”?

A devastação ambiental é motor-chave para o crescimento do PIBB (o Produto Interno da Brutalidade Brasileira), ao lado do encarceramento e do patrulhamento da ideologia dos outros. Como o PIBB não cresce sem derrubar o PIB, o projeto, em suma, é de empobrecimento.
Conrado Hübner Mendes

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