Desmatar é o seu fim, no duplo sentido de “fim”: como “propósito”, na tentativa de maximizar ganho imediato da bancada dos amigos, sem enxergar perdas ao país dois palmos à frente; e como “ocaso”, pois esse mesmo agronegócio predatório, por razões climáticas, não sobrevive dois palmos à frente.
Há dois pretextos falsos por trás da vanguarda antiambiental. O primeiro é que soja e boi na Amazônia desmatada são mais importantes para o Brasil que floresta em pé. Só que 65% do que foi desmatado até hoje corresponde a pastos de baixíssima produtividade. Relatório do International Institute for Sustainability precificou os serviços: por hectare de floresta em pé, a Amazônia nos paga R$ 3.500 anuais (biodiversidade e saúde nem entraram no cálculo); a pecuária paga até R$ 100; a soja até R$ 1.000. A Amazônia em pé ainda atrai investimento estrangeiro (ciente do ganho futuro) e comércio internacional. A troca não é de floresta por produção de riqueza. A troca é de biodiversidade, água e clima por desperdício e ineficiência.
O segundo pretexto é que desmatar vai permitir tirar a Amazônia da pobreza. Se assim fosse, haveria sinais de que isso já acontece. Dados do Índice de Progresso Social, contudo, põem a Amazônia na lanterna da melhoria das condições de vida do brasileiro. Desmatar é forma de gerar pobreza, não riqueza.
O projeto não padece apenas de inconstitucionalidade, mas de pré-constitucionalidade. Inconstitucionalidade há quando regra legal viola algum princípio constitucional. O vício de pré-constitucionalidade é de outra ordem: consiste num desafio estrutural e deliberado à identidade essencial da Constituição de 1988, na busca de ressuscitar de contrabando um projeto do passado, ao qual a Assembleia Constituinte declarou “nunca mais”.
Essa identidade essencial inclui o direito de todo brasileiro (de gerações presentes e futuras) ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225); a prioridade absoluta às condições de vida de crianças (Art. 227); o direito dos índios a sua organização social e tradições, além de direitos territoriais (Art. 231).
Para o presidente eleito, “nosso projeto para o índio é fazê-lo igual a nós”. Prometeu aos “xiitas” do Ibama, que aplicam multas previstas em lei, que a “festa vai acabar”. Não contou que cerca de 97% das multas ambientais no Brasil não são pagas. Dos 3% que sobram, 90% são convertidos em plantios, limpeza etc. “A Amazônia não é nossa”, frase exclamada na campanha, poderia ser interpretada como compromisso de um estadista visionário, ciente do papel da Amazônia para o equilíbrio climático global. Em contraste com José Sarney, que na ONU em 1989 afirmou: “A Amazônia é nossa, afinal está situada em nosso território”, a frase de Jair soa cosmopolita demais. Não é mesmo o que você está pensando.
Bolsonaro, verdade, não está sozinho. Temer e Dilma nunca foram grandes defensores da Amazônia. Entre 2017 e 2018, o desmatamento voltou a subir. O cientista climático Antonio Nobre diz que “precisamos de uma mobilização semelhante a um esforço de guerra” para que a Amazônia escape da savanização em futuro próximo. Bem que a pulsão de guerra de Bolsonaro podia ser canalizada para salvar o maior patrimônio brasileiro em nome do interesse nacional e das futuras gerações. Seu mote não é “Brasil acima de tudo”?
A devastação ambiental é motor-chave para o crescimento do PIBB (o Produto Interno da Brutalidade Brasileira), ao lado do encarceramento e do patrulhamento da ideologia dos outros. Como o PIBB não cresce sem derrubar o PIB, o projeto, em suma, é de empobrecimento.
Conrado Hübner Mendes
Nenhum comentário:
Postar um comentário