Chemim faz uma análise comparativa excepcional das duas operações. Com a sensibilidade de quem conhece de perto Brasil e Itália, vai além das semelhanças e diferenças óbvias. Todos já sabem que ambas se beneficiaram de colaborações premiadas, prisões preventivas e exposição dos escândalos. Ou que a influência da Máfia e a presença de uma figura singular como Silvio Berlusconi fazem da Itália um caso sem paralelo. Mas poucos prestaram atenção a outras características comuns, mais que coincidências: a origem em casos aparentemente banais, os métodos usados para lavar dinheiro, as falcatruas com petrolíferas e obras da Copa do Mundo, os ataques atribuindo motivações políticas a juízes e procuradores, a polarização em torno dos principais nomes (aqui, o juiz Sergio Moro; lá, o procurador Antonio Di Pietro), as justificativas idênticas dos acusados para o uso de caixa dois (“todos fazem”), as acusações de “criminalização da política”, de atuação em nome de interesses estrangeiros ou de “golpismo” – e, sobretudo, a reação contra as investigações.
Apesar das ameaças, até agora não houve por aqui a violência da Máfia, nem os suicídios (ou homicídios) em série, que voltaram a opinião pública italiana contra a Mãos Limpas. Em termos políticos, porém, a semelhança é absoluta. Parlamentares brasileiros hoje estudam a fundo a legislação aprovada nos anos seguintes à Mãos Limpas, responsável por tornar a Itália um paraíso ainda maior para os corruptos. Por enquanto, não prosperaram as tentativas de anistia para caixa dois ou de criar entraves ao trabalho de juízes, policiais e procuradores. Mas não estão paradas. Chemim elenca 23 medidas legislativas italianas em prol dos corruptos – algumas com nomes sugestivos: “decreto salva-ladrões”, “escudo fiscal”, “lei salva-corruptos” e uma anistia conhecida como “alegria no cárcere”. Poucas foram rejeitadas ou julgadas inconstitucionais. “Sanções políticas contra os envolvidos em escândalos de corrupção, tradicionalmente já bem moderadas, tornaram-se virtualmente inexistentes”, escreveu Vanucci. “A probabilidade de agentes corruptos terem sucesso em suas transações aumentou. E, se a corrupção é mais segura, há um incentivo maior a praticá-la.”
Chemim recomenda prestar atenção ao Congresso, onde políticos agem de modo sorrateiro. “O perigo aumenta à medida que a poeira baixa, e aí aumenta o risco de o Brasil seguir a mesma sina da Itália”, diz. “Compreender o que aconteceu lá é, portanto, fundamental para que não se repita aqui.” É justamente nessa compreensão que sua análise deixa a desejar. A corrupção sistêmica, como a brasileira ou italiana, tem natureza dupla, cultural e econômica. Chemim enfatiza o lado cultural: a escolha individual dos corruptos, sua estrutura moral, psíquica, até mesmo religiosa. Mas a mente dos indivíduos é uma esfera distante da ação do Estado. Transformações no campo econômico e institucional, ao contrário, estão na raiz do sucesso de países que conseguiram derrotar a corrupção, como os Estados Unidos no início do século XX. Menos estatais, mais competição, licitações transparentes e instituições mais fortes são a chave para combater o capitalismo de compadrio, no Brasil, na Itália ou em qualquer país. A corrupção sistêmica derivada dele não é um defeito moral ou uma doença, mas um sintoma natural da sociedade, diante de incentivos econômicos perversos. Para combatê-la, é preciso, portanto, mudar os incentivos. Primeiro, como sugere Colombo, acabar com a sensação de impunidade, dar às instituições o poder real de fiscalizar, investigar e punir. Segundo, criar leis que respeitem a realidade econômica. Do contrário, a realidade é que se imporá sem respeitá-las.
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