Um dia ele deporta dezenas de pessoas (quantas? quais?) para uma prisão em El Salvador, afrontando ordens judiciais; no outro insulta e chantageia o presidente de um país em guerra, na cena mais constrangedora que já se viu na política internacional. Toca o terror entre os imigrantes e os funcionários públicos, demite especialistas e o Estado-Maior, se indispõe com os vizinhos, expulsa a AP da Casa Branca porque a agência se recusa a chamar o Golfo do México de “Golfo da América”, como ele pretende. Ameaça as universidades, persegue escritórios de advocacia, desmonta a ordem econômica mundial.
Não dá para ignorar. É como um trem vindo em direção contrária no túnel.
Quem não está apavorado está mal-informado — e eu, infelizmente, estou super bem-informada. Até porque, como nunca vi um trem vindo em direção contrária no túnel de forma tão explícita e em tamanha velocidade, não consigo deixar de olhar: aquele clássico “não quero nem ver!” com os dedos entreabertos sobre os olhos. É medonho mas é fascinante, como foram fascinantes os vídeos do tsunami, como são fascinantes os vídeos de terremotos, tornados e erupções vulcânicas.
Em vez de correr ou tomar providências, a maior economia do planeta espera petrificada, como quem encara a Medusa.
Ninguém. Faz. Nada.
Mentira: o heroico senador Cory Booker falou durante mais de 25 horas para chamar a atenção do povo, e alguns americanos têm saído às ruas em protesto. Mas é muito pouco, pouco demais, para tudo o que está se vendo. Era para Wall Street estar aos uivos, para as universidades estarem em pé de guerra, para o New York Times circular de luto, com uma tarja preta no cabeçalho todos os dias.
Trump aumenta as tarifas para que em tese as fábricas voltem para os EUA (não existem mais fábricas como ele imagina), mas persegue os imigrantes que, tradicionalmente, trabalhariam nas fábricas (também não existem mais americanos com vontade de trabalhar em fábricas). Reclama da balança comercial, mas não leva em conta o prejuízo que está dando ao turismo na sua própria casa e chantageia países que mal se sustentam nas próprias pernas.
A essa altura as tarifas já são secundárias. O que o país perdeu em credibilidade e soft-power não há mais dinheiro que pague.
É tudo de uma estupidez avassaladora, mas não só isso. É tudo muito perverso. Trump não quer negociar com ninguém. Se engana quem ainda acha que ele é um político; não é. É um astro de reality show fazendo o papel da sua vida, acima da lei e de todos os pactos fundamentais — sociais, morais, institucionais.
Trump não está restaurando a grandeza de nada. Está apenas reduzindo tudo à sua própria escala estreita, raivosa, vingativa. Os aliados históricos se afastam, os acordos se desfazem, os indicadores tropeçam, o país se fecha. A retórica do “America First” virou, na prática, “America Alone” — uma América isolada, desacreditada, com uma liderança que inspira apenas medo e escárnio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário