O que sabemos: há mil ideias e mil esforços para lutar contra a desinformação; os resultados são abaixo de zero; esta é uma batalha perdida; não podemos desistir; está cada vez pior; só vai piorar; as armas que temos são rudimentares.
E eu – defeito que me é sempre apontado – sou uma otimista.
Primeiro ponto: não falo dos erros dos jornais. Até o Papa Francisco confunde mau jornalismo e erros dos jornais com desinformação. No ano passado, sem a ingenuidade do Papa, Elon Musk, a querer desconversar, insistiu, numa entrevista à BBC, em perguntar ao jornalista que o entrevistava se a BBC nunca tinha publicado informação errada, portanto também ela desinformando, como quem diz: vocês erram, nós erramos, todos erram, para quê esta conversa sobre desinformação no Twitter?
Infelizmente, o jornalista pôs os dois pés na ratoeira e respondeu-lhe. Em tudo o que disse – e disse muitas coisas – o jornalista da BBC não disse que erros são uma coisa e desinformação é outra. O jornalista também podia ter dito que Musk estava a baralhar as duas com a intenção expressa de criar confusão e desinformar.
Há o célebre erro do New York Times que, em 2016, noticiou o facto de Gary Johnson, ex-governador do Novo México e nesse ano candidato à Casa Branca, ter admitido, no programa Morning Joe, na MSNBC, que não fazia ideia do que era ou onde era Aleppo, cidade que na altura estava diariamente nos títulos dos jornais. A história tem um picante extra: ao escrever sobre o erro de Johnson, o New York Times identificou Aleppo como “capital” do ISIS — que na verdade era Raqqa. E um segundo picante: ao perceber o erro, o Times corrigiu e escreveu que Aleppo era o “bastião” do ISIS — que também era falso.
Isso são erros.
Desinformação tem que ver com intencionalidade: ao contrário dos erros, a desinformação é feita com a intenção expressa de atirar erros e informação falsa para a arena pública. Ao contrário dos erros, a desinformação tem motivos expressos, em regra económicos e políticos. E a terceira característica é que, ao contrário dos erros, a desinformação é feita para criar confusão e destruir a confiança nas instituições, pessoas ou grupos.
A situação está de tal modo grave que há quem fale de “distúrbio de informação”, usando a linguagem médica para as doenças.
Vivam todos os que dedicam os seus dias a fazer verificações de factos. É útil e é uma obrigação do jornalismo. Hoje como nunca. Mas serve de pouco. Digo isto consciente da inutilidade das muitas horas que dediquei a fazer verificações de factos. São essenciais e obrigatórias. Mas servem de pouco e podem até ser contraproducentes.
O filósofo político basco Daniel Innerarity fala sobre os “danos laterais” do combate às fake news em Uma Teoria da Democracia Complexa – Governar no século XXI (Ideias de Ler, 2021) e propõe uma solução que nos deixa aflitos: “A resposta está em mais debate e pluralismo dos media”.
Ficamos aflitos porque sabemos como isso é cada vez mais difícil. Já foi até inventada a palavra “broligarquia”, junção de bros, o clube dos “rapazes” que fazem as coisas à sua maneira, e oligarquia. O problema é que também ficamos aflitos ao ouvir os especialistas e políticos que definem estratégias anti desinformação e que dizem que a melhor ferramenta que temos é o bom jornalismo e as verificações de factos.
Há quem diga que nos restam as emoções.
Li há dias sobre a abordagem do Betterplace Lab, uma ONG alemã que faz workshops sobre combate à desinformação. Defendem que as emoções são a melhor arma e que devemos começar por assumir que cada um de nós tem um lugar no sistema da desinformação. Depende de cada um de nós, não só dos outros, dos “maus”.
A ideia tem uns pozinhos de psicologia e introspecção. O Betterplace Lab fala da “disseminação inconsciente” e pede para “cada um de nós refletir sobre si próprio” na cadeia da desinformação: “Tenho de me perguntar: ‘Ok, mas isto é mesmo verdade? Ou será que só quero acreditar nisto e, por isso, gosto de pensar que é verdade? O mesmo se aplica a uma afirmação que considero falsa e que desencadeia em mim uma emoção forte.” Nesses casos, “pare e pense: ‘Porque é que me sinto assim e de onde é que isto vem?’ Faz sentido olhar mais de perto para as nossas próprias necessidades e valores. Apercebemo-nos de que, muitas vezes, não se trata de informação, mas de emoção”.
Diz o Betterplace Lab que “a desinformação não é só um problema de insuficiência de fatos”, pois “os fatos muitas vezes existem e poderiam corrigir as coisas”. O problema é que “a informação não chega a muitas pessoas”. Em vez disso, devemos partir do princípio de que a desinformação tem um efeito psicológico em nós e por isso se torna contagiosa. “Se a desinformação tem mais que ver com emoções do que com informação”, é nas emoções que deve ser combatida. “De pessoa para pessoa e com base na empatia. Se conseguirmos compreender porque é que a outra pessoa acredita ou difunde certas coisas, podemos entrar num diálogo a esse nível. Se compreendermos as emoções e as necessidades subjacentes, podemos entrar muito mais cedo num diálogo construtivo do que se nos separarmos ainda mais da pessoa com mais argumentos a nível factual (aos quais a pessoa provavelmente não responderia).”
Como diz uma amiga, parece shanti-shanti. E há o problema de sermos oito mil milhões. Mas eu já estive neste lugar muitas vezes e sei que é verdade.
O que nos resta para receita de combate à desinformação? Encontrar uma fórmula para encher o mundo com factos, desmentir mentiras construídas com a intenção de criar confusão e descrédito, e aproximarmo-nos de quem pensa de forma diferente de nós.
Bárbara Reis)
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