Ontem, vi um anúncio de iPhone que alardeia velocidade de processamento dez vezes maior do que os modelos existentes no mercado. Quem precisa de tanta pressa? Aonde vai parar essa obsessão pelo novo? Que preço (ambiental, social, político) pagamos por isso?
Subprodutos das redes sociais, o ultramoderno que não filtra procedências e seriedade das fontes, as fake news renovam a cada dia a pergunta: o que é verdade? Em agosto de 1964, o governo americano simulou um ataque vietnamita a navios de guerra no golfo de Tonkin. Em tom indignado, o presidente Johnson foi à TV denunciar o “incidente” e garantir que não ia deixar barato. E não deixou mesmo. A agressão, cuja falsidade gravações e documentos comprovaram mais tarde, foi o pretexto para o início da escalada bélica no sudeste asiático. O imperialismo queria “jogar aqueles caras de volta à Idade da Pedra”.
Exemplo mais recente é o desempenho patético de Colin Powell na ONU, “provando” a existência de armas de destruição em massa no Iraque, sob o aplauso da claque da morte (Tony Blair et caterva). As armas nunca foram encontradas, ninguém se desculpou pela mentira e, no meio do caminho, um país inteiro praticamente deixou de existir. O ex-presidente do Federal Reserve, Allan Greenspan, confirmou que a verdadeira razão para invadir o Iraque foi a defesa das reservas de petróleo no Oriente Médio. Deve ter sido banido dos coquetéis na Casa Branca.
Nas redes sociais, a tecnologia da mentira se sofistica e é cada vez mais difícil se informar em sites e plataformas “confiáveis”. No final do ano passado, o Washington Post publicou matéria que transita entre o cômico e o aterrador. Um restaurante falso em Londres liderou o ranking de qualidade num site de viagens. O jornalista britânico Oobah Butler inventou um restaurante virtual, associou-o a uma página na web, combinou resenhas favoráveis com amigos e, surpreendentemente, começou a receber pedidos de reserva. Claro que ele as negava, alegando que o local estava lotado.
O site divulgava um menu baseado em “emoções” (parte da cultura gourmet, praga que vende “experiências”), conceito que, de acordo com o jornalista, é “bobo o bastante para enfurecer seu pai”. Ilustrava o cardápio com belas fotos… produzidas com produtos domésticos, como tabletes de cloro e creme de barbear.
A curiosidade gerada por uma casa tão “exclusiva” (ninguém conseguia lugar para comer lá) se espalhou e pedidos de reserva começaram a chegar do mundo todo ! O telefone não parava de tocar. O TripAdvisor elevou o restaurante ao primeiro lugar das indicações em Londres, quase 90 mil pessoas visitavam o site do restaurante fake todos os dias.
O que nos ensina este delírio coletivo, pendurado em nada? Bem, comparado com o que conto em seguida, Butler é um inocente brincalhão.
Supasorn Suwajanakorn (o nome é esse mesmo, nada fake), pesquisador do Google Brain, desenvolveu um software que permite produzir vídeos falsos com toques de realidade. Um exemplo. Numa palestra, projetou quatro versões diferentes de um mesmo discurso do ex-presidente Obama. Perguntou à plateia: qual delas era a versão falsa? A resposta: todas eram falsas. Em 14 horas, o programa manipulou fotos e vídeos pré-existentes de Obama, criando uma realidade paralela.
O software estará, em breve, disponível para uso através de navegadores da internet. Alguém consegue dimensionar o alcance disso? A tecnologia, que está dando os primeiros passos, será certamente aperfeiçoada. Chegará um momento, tenho certeza, em que não será mais possível diferenciar real de virtual. Não será mais possível acreditar em imagem alguma. Aí, então, os filósofos fritarão os miolos para definir a neoverdade, aquela cozinhada em algoritmos e modelos em 3D.
É, meninos, estamos próximos de protagonizar um episódio tardio do Twilight zone. Pena que Rod Serling está morto, a imaginação não está no poder e não existe garantia de happy end. Câmbio e desligo.
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