Quem não gosta de um bom blockbuster? De um bom filme de ação ou ficção científica – Margaret Atwood, a autora de The Handmaid’s Tale, prefere o termo “ficção especulativa” e com bons motivos – que transcende os efeitos especiais e movimentos de câmara rápidos para fazer comentário social? Há quem não goste, claro. E há quem adore. E há quem, apesar de gostar, não perceba o que está a ver.
Parece que Elon Musk, considerado por alguns um génio dos nossos tempos, pertence a esse grupo de pessoas que se perdem na história de um filme quando veem um lightsaber ou um Capitólio cheio de gente com roupas coloridas e cabelos peculiares.
É óbvio que não é o caso, porém, um tweet que escreveu há algum tempo – mas que reverbera e reverberá para sempre na internet – podia enganar os mais ingénuos:
“Você assistiu Jogos Vorazes e ficou do lado da resistência.
Você assistiu Star Wars e ficou do lado da resistência.
Você assistiu Matrix e ficou do lado da resistência.
Você assistiu Divergente e ficou do lado da resistência.
Você assistiu V de Vingança e ficou do lado da resistência.
Quando é ficção, você entende. Mas você se recusa a ver quando é a realidade em que você está vivendo.
Selvagem.”
Musk sabe o que está a fazer. Não fosse, aliás, um move com intenções tão vis, podia ser genial.
Hunger Games não podia ser mais claro na sua mensagem anti-capitalista e anti-ditatorial, ao mostrar os excessos de uma sociedade burguesa predatória que gamifica a pobreza. Star Wars, e isto já foi explicado pelo próprio George Lucas, criador do franchise, é uma história anti-colonialista e anti-imperialista que tem por uma crítica à política externa dos Estados Unidos da América. Matrix, um filme super citado pelas comunidades incel, é, no seu, core, um apelo à humanidade contra uma realidade virtual opressiva que se alimenta da vida humana. Divergent tenta abordar a questão da governança por via da seleção genética da população, das supostas qualidades intrínsecas de grupos sociais. E o V for Vendetta, um filme absolutamente incrível, não podia ser mais evidente: a história de um anarquista que atormenta o governo fascista do seu país.
Musk sabe isto. Apesar de radicalizado pela própria rede social que comprou, o dono da Tesla não é ignorante.
A extrema-direita global – sim, existe – conseguiu criar uma narrativa em que é vítima e alvo de um sistema que tenta, com toda a força, silenciar e bloquear as suas ações. Esta distorção perversa da realidade permitida pelas redes sociais desreguladas, por vezes semelhantes a uma no man’s land, nomeadamente o Facebook, Twitter – não chamarei X, perdoe-me, leitor – e TikTok, fez-nos chegar a este ponto: bilionários, líderes radicais, pessoas ultraconservadoras com algum poder e seus defensores acham que são a “Resistência”. Mas resistência a quê? Ao próprio poder quem têm? Aos milhões e milhões que faturam? Às milhares de visualizações e partilhas que os seus vídeos têm? Não. Este grupo político criou, artificialmente, inimigos: “wokes”, comunidade LGBTQ+, minorias étnicas, emigrantes, académicos e universitários. Colocou-os a todos no mesmo saco, dizendo que se apoiam, se ajudam e têm missões em comum: “marxismo cultural”, “endoutrinação”, a “invasão”, a “substituição”. Nonsense. Criações artificiais para suscitar reações orgânicas. Uma tentativa de guerra cultural cheia de fogo de artifício e show off, opiniões simples e controversas que não dão muito trabalho à cabeça e por isso propagam-se a velocidades que nem os fãs de Fórmula 1 compreendem.
Como fã de todos os filmes que Musk citou, deixo aqui um apelo aos leitores: vejam ou revejam os filmes. Tentem, com tudo o que têm, perceber onde o bilionário favorito de Trump – por pouco tempo… – foi buscar a ideia de que ele pertence a uma qualquer resistência. O que diria Luke Skywalker desta pessoa?
Luís G. Rodrigues
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