quinta-feira, 20 de junho de 2019

Como o meio digital afeta o cérebro e a leitura

Jovens de 20 anos olham o celular entre 150 e 190 vezes por dia. Nas famílias com acesso a dispositivos digitais, crianças de 3 a 5 anos passam em média quatro horas diárias diante das telas de smartphones, tablets ou computadores. O iPad virou a nova chupeta para acalmá-las. Entre adultos, o tempo médio de atenção à leitura caiu de dez para cinco minutos nos últimos dez anos. Para o pesquisador do Vale do Silício Josh Elman, o efeito viciante das redes sociais, dos games e do entretenimento on-line pode ser comparado ao da nicotina. É usado, diz ele, da mesma forma por empresas de tecnologia e de cigarro: para criar dependência. Mas, enquanto o vínculo entre o fumo e o câncer está comprovado desde pelo menos 1948, as consequências do novo universo digital para a saúde humana ainda são objeto de investigação.

Decifrar como isso acontece e antever as consequências das mudanças para a educação e a sociedade são os temas de "O cérebro no mundo digital", da neurocientista americana Maryanne Wolf, recém-lançado no Brasil.

“O que acontecerá com o desenvolvimento de sua atenção, memória e conhecimento de fundo?”, pergunta ela. Se você precisa ler várias vezes a mesma passagem para entender, se tem dificuldade de lembrar o que leu e de expressar ideias por escrito, se busca apenas palavras-chave e se acostumou a consumir resumos em vez de analisar as informações, se tem evitado análises densas e complexas, se não tem mais paciência para livros longos ou difíceis, se nem consegue mais sentir o prazer de outrora com a leitura — então é bom tomar cuidado. A própria Wolf conta como se chocou ao descobrir que não conseguia mais dedicar o tempo interior necessário a usufruir uma de suas obras literárias preferidas na juventude. O motivo está na contaminação do estilo de leitura digital sobre a atividade cerebral.

Com erudição literária e conhecimento científico, ela expõe seus argumentos em nove cartas dirigidas ao leitor. Nem sempre a linguagem mais próxima alivia a dificuldade do assunto. Sobretudo nas primeiras três cartas, em que ela dá um aula de neurociência e descreve a complexidade da leitura para o cérebro humano. Ao contrário de falar, ler não é uma função para a qual fomos programados geneticamente. Precisa ser aprendida e gravada na memória. Diferentes formas de leitura resultam em mecanismos cerebrais diferentes. O meio digital penaliza um desses mecanismos: a cognição lenta, representada por pensamento crítico, reflexão, imaginação e empatia, tudo aquilo que Wolf chama de “leitura profunda”. “A qualidade de nossa atenção — base de nosso pensamento — vai ou não mudar inexoravelmente à medida que deixamos para trás uma cultura baseada no impresso e passamos para uma cultura digital?”, pergunta.

Apesar do tom pessimista da indagação, ela não incorre na armadilha recorrente da distopia digital. Reconhece o impacto da perda para o aprendizado, o diálogo, a divergência civilizada e a democracia. Mas sua resposta, exposta ao longo das demais cartas, é otimista. Ela acredita que o cérebro humano tem capacidade para conciliar os dois tipos de leitura, afirma que ambas apresentam vantagens específicas e defende que a educação de crianças e adolescentes ofereça o “duplo letramento”. “O desenvolvimento intelectual de nossas crianças não pode vir de um sistema binário de comunicação, em que um dos meios seja intrinsecamente melhor que o outro”, afirma. “Estou convencida de que, com mais sabedoria do que demonstramos até o momento, podemos combinar ciência e tecnologia para discernir o que é melhor, e quanto, para cada criança, do nascimento à adolescência, usando todas as mídias, dispositivos e ferramentas digitais.” O antídoto para o frenesi digital está, segundo ela, na expressão clássica atribuída ao imperador Augusto: “Festina lente” — “Apressa-te devagar”.
Helio Gurovitz 

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