Decifrar como isso acontece e antever as consequências das mudanças para a educação e a sociedade são os temas de "O cérebro no mundo digital", da neurocientista americana Maryanne Wolf, recém-lançado no Brasil.
Com erudição literária e conhecimento científico, ela expõe seus argumentos em nove cartas dirigidas ao leitor. Nem sempre a linguagem mais próxima alivia a dificuldade do assunto. Sobretudo nas primeiras três cartas, em que ela dá um aula de neurociência e descreve a complexidade da leitura para o cérebro humano. Ao contrário de falar, ler não é uma função para a qual fomos programados geneticamente. Precisa ser aprendida e gravada na memória. Diferentes formas de leitura resultam em mecanismos cerebrais diferentes. O meio digital penaliza um desses mecanismos: a cognição lenta, representada por pensamento crítico, reflexão, imaginação e empatia, tudo aquilo que Wolf chama de “leitura profunda”. “A qualidade de nossa atenção — base de nosso pensamento — vai ou não mudar inexoravelmente à medida que deixamos para trás uma cultura baseada no impresso e passamos para uma cultura digital?”, pergunta.
Apesar do tom pessimista da indagação, ela não incorre na armadilha recorrente da distopia digital. Reconhece o impacto da perda para o aprendizado, o diálogo, a divergência civilizada e a democracia. Mas sua resposta, exposta ao longo das demais cartas, é otimista. Ela acredita que o cérebro humano tem capacidade para conciliar os dois tipos de leitura, afirma que ambas apresentam vantagens específicas e defende que a educação de crianças e adolescentes ofereça o “duplo letramento”. “O desenvolvimento intelectual de nossas crianças não pode vir de um sistema binário de comunicação, em que um dos meios seja intrinsecamente melhor que o outro”, afirma. “Estou convencida de que, com mais sabedoria do que demonstramos até o momento, podemos combinar ciência e tecnologia para discernir o que é melhor, e quanto, para cada criança, do nascimento à adolescência, usando todas as mídias, dispositivos e ferramentas digitais.” O antídoto para o frenesi digital está, segundo ela, na expressão clássica atribuída ao imperador Augusto: “Festina lente” — “Apressa-te devagar”.
Helio Gurovitz
Nenhum comentário:
Postar um comentário