Quando adolescentes se matam, eles dizem algo sobre si mesmos, mas também dizem algo sobre a época em que não viverão.
A inversão da pergunta não é um jogo retórico. Ela é decisiva. É decisiva também porque devolve a política à pergunta, de onde ela nunca poderia ter saído. E a recoloca no campo do coletivo.
Essa dimensão não apaga a singularidade de cada caso, mas é necessário situar essa singularidade no contexto do seu tempo histórico. Quando adolescentes se matam, eles dizem algo sobre si mesmos, mas também dizem algo sobre a época em que não viverão. É esse o ângulo que me parece importante chamar a atenção, porque em geral ele é apagado. É nas particularidades de cada história que podemos encontrar caminhos para prevenir o ato de desespero, mas é também na conformação do mundo em que a violência autoinfligida ocorre que devemos buscar pistas para compreender o que o suicídio expressa sobre essa época.
Os adolescentes de hoje herdarão um mundo corroído pela mudança climática provocada pelas gerações anteriores, incluindo a de seus pais, onde a água vem se tornando o grande desafio e a paisagem já começa a ser desfigurada. As séries de TV, principal produto cultural e também de entretenimento, expressam o sentimento dessa época: um presente que já é uma distopia e a impossibilidade de imaginar um futuro que não seja apocalíptico. A internet, onde os adolescentes e a maioria dos adultos vive, arrancou a ilusão sobre o que chamamos de humanidade. Ao permitir que cada um se mostrasse sem máscaras, que cada um pudesse “dizer tudo”, abriu-se uma ferida narcísica cujos impactos levaremos muito tempo para dimensionar. Essa ilusão sobre o quê e quem somos nós cumpria um papel importante no pacto civilizatório. Sua perda é parte da explicação da dificuldade de compartilhar o espaço público, hoje interditado por ódios.
Por que, diante desse cenário, mais adolescentes não teriam dificuldade para encontrar saídas? Por que alguém que está vivendo uma fase da vida em que precisa dar conta de um corpo em transformação e assumir a responsabilidade de encontrar seu lugar não estaria desorientado diante do mundo que o espera – ou mesmo sem nenhuma confiança de que vale a pena ser adulto nesse planeta?
Se cada caso é um caso, o significado de ser adolescente nessa época determinada não pode ser deletado de qualquer resposta que pretenda ser uma resposta. Aberta, em constante construção, mas uma resposta.
Um adolescente que faz perguntas duras a si mesmo e aos adultos não está apresentando um comportamento desviante. São perguntas inteligentes, são perguntas de quem percebe o mundo que vive, são perguntas de quem se recusa a se alienar. O desafio que o suicídio nos apresenta, como sociedade, é conseguir construir junto com os jovens uma resposta que não seja a brutalidade de tirar a própria vida.
Essa tarefa não é individual, não é um problema apenas do adolescente que não consegue encontrar sentido ou de sua família. Mas uma construção coletiva. Inclui esse adolescente, mas não é só dele. Se há uma possibilidade nesse momento é a de que o desespero de ver adolescentes morrendo fez com que se rompesse o silêncio sobre o suicídio.
A crença de que falar sobre o suicídio aumenta o número de casos estabeleceu um silêncio em torno das mortes que colaborou para que se localizasse o problema e a suposta solução no indivíduo. Colaborou para a ideia sem substância do suicídio como covardia do adolescente e fracasso dos pais. O suicídio, convenientemente, deixou de ser uma questão da sociedade para ser um problema de uma pessoa ou família com um tipo de defeito. Ou foi colocado na conta de uma patologia mental, com vários nomes disponíveis no mercado. É um fato que há casos de suicídio relacionados a doenças mentais, mas não é possível desconectar qualquer doença da época em que ela é produzida.
A questão não é a doença mental, quando ela existe, ou a angústia e o desespero, mas por que o suicídio tem sido a resposta e não outra a acontecimentos como a doença mental, a angústia e o desespero. É no fato de que ao longo das diversas épocas já houve outras respostas possíveis, outras respostas compatíveis com seguir vivendo, que podemos construir reflexões que nos arranquem da repetição que acaba tratando como problema exclusivamente individual o que é também produção social.
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