Num discurso que fez na Carolina do Norte, usou 20 dos 90 minutos de sua fala para ofender as representantes do povo. Quem são elas? Duas são muçulmanas, as primeiras deste credo religioso a aceder ao Parlamento: Ilhan Omar, de Minnesota, e Rashida Tlaib, do Michigan. As outras foram Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, filha de imigrantes porto-riquenhos, e Ayanna Pressley, negra, do Massachusetts.
Aos xingamentos e chacotas, Trump adicionou a intimação: “Voltem a seus países de origem”. Açulada, a multidão urrava: “Que sejam expulsas!”
Pareciam ignorar que são mulheres americanas, três nascidas nos EUA, e uma naturalizada há anos, dispondo dos direitos inerentes à cidadania democrática. Tanto como qualquer um deles e o próprio Trump.
Passados alguns dias, Trump investiu contra Elijah Cummings, negro, de Maryland, também deputado pelo Partido Democrata, caracterizando o distrito que o elegeu como “um lugar repugnante” e “infestado de ratos”. As diatribes suscitaram emoção e indignação. A Câmara de Deputados, até com votos de alguns republicanos, aprovou moção de protesto.
As mulheres reafirmaram que não se intimidarão nem se calarão, permanecendo fiéis a suas convicções e decisão de luta. Nesta altura, ninguém duvida que Trump é um rematado estúpido. Como dizia um humorista, ele não apela a ofensas porque “não sabe o que faz”, mas “só faz o que sabe”.
Não haveria, porém, uma lógica política neste recurso sistemático às injúrias? A uma análise mais acurada, alguns aspectos chamam a atenção. Em primeiro lugar, os ultrajes têm rendido resultados midiáticos positivos. Viram notícia na primeira página dos jornais, assunto inescapável nas mídias sociais e nos programas jornalísticos de todo tipo.
Afinal, impropérios descabidos não podem passar em branco nem ser naturalizados. O ofensor, assim, vai para a berlinda, atualizando o antigo dito popular: “Falem mal, mas falem de mim.” Ponto para o provocador.
Segundo aspecto: as invectivas radicalizam e agregam os adeptos mais decididos e entusiasmados, consagrando a pessoa do líder prepotente como capaz de polarizar o seu campo político. Cerram-se as fileiras face ao “inimigo”. As forças ganham coesão.
Em meio ao redemoinho e às incertezas que marcam o contexto da revolução digital e à insatisfação com as limitações dos regimes democráticos, um homem forte que mastigue certezas, mesmo que não se saiba ao certo para onde levarão, pode aparecer como uma tábua de salvação.
Um terceiro aspecto, ainda mais importante é o efeito que este comportamento suscita no debate político: as afrontas e os vitupérios rebaixam e envenenam o debate, amesquinham a troca de ideias, personalizam as discussões. Já mal se discutem as perspectivas — rasas — do agressor, mas sua personalidade, suas idiossincrasias, as circunstâncias pessoais, os parentes próximos.
Finalmente, o mais assustador, quando se completa a vitória de quem agride: as oposições começam a se comportar da mesma forma — passam também a afrontar e a xingar. Aprisionadas num vocabulário tosco e vulgar, reproduzindo involuntariamente o verbo do agressor, tornam-se incapazes de formular propostas construtivas. Assim, num contexto de equivalência de linguagens, perdem-se de vista as questões que estão em jogo.
As políticas propostas, muitas em prática, remodelando — para pior — o quadro político, destruindo direitos conquistados e enfraquecendo o regime democrático. Os Estados Unidos vivem tempos difíceis, e a saída está na capacidade de imaginar políticas alternativas. Revitalizar a democracia para que não naufrague.
Qualquer semelhança com a situação do Brasil não é mera coincidência.
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