Quando passei a ler notícias, a mídia já estava na internet. As páginas dobradas de um jeito confuso e que soltam tinta na mão não tinham mais razão de ser. Pense no gasto de papel. De uns anos para cá, chegaram as redes sociais e dominaram a internet. Hoje, é por elas —Facebook, Twitter e WhatsApp— que nos chega grande parte das informações.
Sempre fui otimista com a internet. E, no entanto, há um tempo sinto que algo vai mal. Fiquei saturado das redes sociais, suspeitando que elas afetam nossa capacidade de pensar e se informar. Será que uma semana (do dia 19 ao dia 25 de março) só com mídia impressa acrescentaria algo? Topei na hora.
O leitor de jornal, J. Seward Johnson |
Claro, eu já estava ciente de que ele tinha ocorrido; mesmo longe das redes —e sem rádio ou televisão—, as pessoas ao meu redor sabiam e comentavam. Mas só na manhã seguinte eu li as citações completas e entendi o contexto.
Outra coisa a que não tive acesso foi a opinião de milhares de pessoas que comentam nos portais e fazem posts nas redes sociais. Estabeleceu-se uma separação entre a notícia e sua repercussão.
Se por um lado foi uma perda —não vi milhares de memes com as frases do Barroso; não pude comentar e ser lido no ato—, por outro foi um ganho. Posicionar-se ficou menos importante e, sem o parâmetro da opinião alheia, a reflexão pessoal pôde correr mais livremente.
Tive que superar algumas barreiras psicológicas. Sentar para ler o jornal me deixou inseguro. Senti que seria tempo perdido, improdutivo, imperdoável. Era só impressão.
Na verdade, aquele tempo de leitura sem distrações rendeu muito mais do que horas num computador alternando entre um artigo a ser escrito, notícias picadas selecionadas a esmo, emails não lidos, artigos abertos uma semana antes e mensagens inesperadas.
Aprendi mais sobre os temas principais que me interessavam e ainda li sobre assuntos que a priori não seriam do meu interesse, mas que, por estarem ali na página, atraíram minha atenção. “Temer aprova ensino a distância… Vamos ver melhor isso aí.”
Deixei que a decisão dos editores dos jornais —e não o número de cliques ou um algoritmo que identifica e reforça meus interesses— guiasse minha leitura.
O próprio ciclo editorial reestruturou minha experiência. Online, as notícias chegam num fluxo constante, perde-se a noção de uma edição diária; são notícias que vão aparecendo e mudando a qualquer momento. De manhã a manchete sobre a Lava Jato, na hora do almoço um artigo polêmico, à noite uma declaração de ministro do Supremo. Informar-se é um processo gradual que nunca termina.
Com o veículo impresso, o momento de mergulhar nas notícias e artigos do dia é delimitado. Você aguarda o momento de ler o jornal e, uma vez lido, está informado pelo dia todo; aquilo deixa de ser uma preocupação. A paz de espírito agradece.
Passar uma semana com jornais e revistas impressos foi, ao mesmo tempo, uma purificação da estafa mental gerada pelas redes e um aprofundamento naquilo que importa do noticiário: formar uma visão geral e detalhada sobre os principais eventos do mundo. O saldo foi muito positivo, mas era hora de voltar.
As redes sociais trouxeram algo maravilhoso: agora, qualquer um pode escrever e ser lido, sem barreiras. O lado ruim disso é que todo mundo quer escrever e ser lido. Estamos brigando mais e querendo sempre chamar a atenção.
Para mim, já saturou. A cada dois ou três dias, uma notícia gera polêmica —em geral, irrelevante— e milhares de usuários resolvem comentar. Dificilmente alguém sai do esperado. Rolar a timeline é ver opiniões infindáveis e no mais das vezes iguais, cada uma com um detalhezinho para se diferenciar. A sensação final é um niilismo profundo: nada daquilo pode fazer sentido.
O mais deprimente é constatar que os próprios jornais já produzem seu conteúdo e escrevem suas manchetes pensando nessa repercussão. Quando nos afastamos disso, por alguns dias que seja, fica difícil voltar, embora seja necessário. Ficar de fora dá a sensação de não existir.
Dias atrás, Mark Zuckerberg prestou depoimento ao Congresso americano sobre abusos na hora de garantir a segurança da informação dos usuários no Facebook.
A questão é séria, mas creio que mais sério ainda seja o efeito que o uso normal, esperado, da rede tenha não sobre nossas informações, mas sobre as informações que chegam a nós e nossa capacidade e disposição para assimilá-las.
Uma tela e um papel podem conter a mesma informação escrita, mas nosso cérebro as processa de maneira diferente. A leitura na tela é mais superficial e menos fixada pela memória. O papel dá contexto, vemos o jornal inteiro e sabemos nos localizar. A tela oferece a você uma janela e uma coluna de texto corrido, perdido no vácuo.
Some-se a isso todo o resto que costuma vir junto da experiência na tela: distrações variadas e constantes, que tornam a leitura mais curta, mais picada e ainda mais superficial.
Por fim, o efeito específico da rede social: submeter a nossa leitura das notícias à guerra ideológica e à busca do status individual.
A mídia impressa é uma tecnologia que nem sempre existiu e talvez um dia deixe de existir. Nada garante que seja o melhor arranjo possível para a humanidade.
Creio, contudo, que, no mundo atual, recuperar o hábito da leitura da mídia impressa traz ganhos relevantes. Sem isso, você facilmente se perde no oceano digital.
Sempre fiz questão de separar horários do meu dia para ler livros, hábito que também está em franca decadência. Agora faço o mesmo com a mídia. Ler as notícias no papel, sem pressa, nos deixa melhor informados e menos ansiosos.
Joel Pinheiro da Fonseca
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