quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Brasil, 200 anos – o eterno país do futuro

Quando aportou pela primeira vez no Rio de Janeiro, o austríaco Stefan Zweig, um dos maiores escritores da primeira metade do século XX, teve um caso de amor à primeira vista com o nosso país. Inspirado pelas ideias de Gilberto Freire, Sérgio Buarque e Roberto Simonsen, escreveu em 1941 o livro “Brasil, o país do futuro” que fez a cabeça de muita gente. Sua tese central era de que estávamos fadados a ser uma potência mundial em virtude de vários ativos de nosso país: unidade linguística e territorial, ausência de grandes conflitos com os países vizinhos, um povo multicolor, conflitos internos resolvidos pela via da conciliação e riquezas naturais imensas.

Stefan Zweig, de origem judaica, deixou a Áustria e viveu por dois anos em Petrópolis, onde, juntamente com sua esposa Lotte, suicidou-se um ano após a publicação do seu livro em vários idiomas. Seu encanto pelo Brasil se deveu ao fato de não ter encontrado aqui o mesmo conflito racial que levou a Europa a ser palco da II Guerra Mundial.

Duzentos anos depois da independência, a concretização do Brasil como uma nação desenvolvida econômica, socialmente justa e com peso no concerto internacional das nações continua sendo projetada para um futuro distante do nosso horizonte.


É verdade, houve momentos em que o futuro parecia estar ao alcance de nossas mãos e o Brasil chegaria a seu destino de grande potência. Entender por que o sonho escapou dos brasileiros é o primeiro passo para finalmente deixarmos de ser o país do futuro para ser o país do presente.

As quatro décadas após a primeira edição do livro de Stefan foram um desses momentos mágicos. Entre 1930 e 1980 a economia Brasileira foi a que mais cresceu no mundo, com a média anual de expansão acima de 6%. Éramos uma nação com crescimento superior à média mundial e dos demais países emergentes. Em 1980 a economia brasileira tinha o status de décima do planeta, com 4,3% do PIB mundial.

De país emergente nos transformamos em país submergente, nos últimos quarenta anos. Crescemos menos do que a média mundial ou de outras economias similares. Entre 1980 e 2021 a média anual de expansão do PIB brasileiro girou em torno de 2% e nos últimos 25 anos de 1,1%. Nossa participação no PIB mundial encolheu pela metade nesse espaço de tempo, devendo ser apenas de 2,3% em 2022. Em quarenta anos, o Brasil enfrentou nada menos do que dez recessões!

Perdemos o bonde da história no mesmo período em que a China se afirmou como a segunda economia do mundo e a Coreia deu um salto extraordinário por meio de fortes investimentos na educação básica, na inovação tecnológica e na integração com o mercado mundial por meio da exportação de bens de alto valor agregado.

A imagem do Brasil hoje não é a do Cristo Redentor decolando para o espaço, tal qual a ilustração da revista The Economist, de 2009. Quatro anos depois, a mesma revista deu uma capa com a pergunta “O Brasil estragou tudo?”. Nossa imagem passou a ser a de um gigante que encolheu.

Por trás desse encolhimento há razões históricas, como a profunda desigualdade social – uma herança que vem dos tempos do escravismo -, e nosso atraso educacional, consequência de um sistema excludente de quase dois séculos. Apenas na última década do século Xx o Brasil iniciou suas reformas educacionais.

A base do nosso atraso está, contudo, no modelo que turbinou o desenvolvimento entre os anos 30 e 80, pautado na substituição de importações por meio de fechamento da economia, reserva de mercado, financiamento da industrialização via endividamento externo, subsídios e privilégios, e, sobretudo, de forte ativismo e presença do Estado na economia. O modelo nacional-desenvolvimentista criou uma indústria de base, mas seu parque produtivo teve baixíssima produtividade, voltando-se para o mercado interno, sem competitividade no mercado mundial.

Esse modelo esgotou-se com o advento da Terceira Revolução Industrial, responsável pelo advento da globalização. Ao contrário da Coreia do Sul e da China, o Brasil não conseguiu se inserir nas cadeias globais de forma competitiva, a exceção do agronegócio. Desindustrializou-se e ficou sem um projeto de nação, apesar das tentativas de abertura e modernização da sua economia, das quais o Plano Real foi um marco. Mas afundamos emrecidivas do nacional-desenvolvimentismo, como a “nova matriz econômica” dos últimos anos do governo Lula e no período Dilma Rousseff.

Não se trata de ter uma visão catastrofista dos 200 anos de nossa existência como nação independente. O Brasil ingressou no século XXI com uma população dez vezes maior e com uma economia cem vezes maior do que tínhamos no início do século anterior. E mesmo nos últimos quarenta anos houve avanços civilizatórios significativos, como redução da mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida, universalização do ensino básico, a construção do Sistema Único de Saúde e a consagração dos direitos sociais e políticos dos brasileiros em sua Constituição-cidadã.

Nosso país continua detentor dos mesmos ativos que levaram Stefan Zweig a se apaixonar por ele. Até hoje é impossível um visitante não ficar atraído pelo Brasil, como o diplomata austríaco Proskesch-Osten que nos definiu, em 1868: ”um país novo, um porto magnífico, um novo horizonte político, uma terra do futuro, um passado quase desconhecido e uma natureza esplêndida”.

Mas não podemos nos contentar a ser eternamente o país do futuro. É imperioso identificar as alavancas capazes de transformar o nosso presente, para, em sintonia com a nova onda tecnológica, alcançarmos o desenvolvimento sustentado e promovermos crescimento com equidade. Nosso desafio é ingressar no terceiro centenário com uma nova comunhão de destino entre os brasileiros, unidos em torno de um novo projeto nacional.

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