A 21ª Conferência do Clima (COP 21), que terminou no passado dia 12, em Paris, após discussões intensas entre os representantes da maioria das nações do mundo, incluindo 150 chefes de estado e de governo, aprovou um documento que impõe um limite ao aquecimento global: não mais de um grau e meio em relação à era pré-industrial. O documento foi saudado como uma grande vitória: “Hoje é um dia histórico” — proclamou o presidente francês, François Hollande.
Não estou tão otimista. Tenho dúvidas de que seja caso para festejar. Em primeiro lugar, um grau e meio pode parecer irrisório para um leigo, mas qualquer biólogo, ecologista ou meteorologista sabe que essa simples variação já trará alterações enormes. Um aumento superior a dois graus poderá conduzir, alertam vários cientistas, a alterações irreversíveis, com os oceanos galgando os continentes, secas prolongadas em certos países e cheias em outros, e, no geral, uma nova e terrível desordem climática mundial.
Em segundo lugar, o acordo apenas estabelece tal meta, mas é assustadoramente vago no que diz respeito às medidas gerais para a alcançar e não impõe sanções aos países prevaricadores. Os EUA conseguiram mesmo fazer aprovar uma cláusula que impede que o país venha algum dia a sofrer processos judiciais devido à sua responsabilidade histórica no processo de aquecimento global.
Parece-me pouco, muito pouco, para um desafio tão difícil e que poderá ter — já está a ter — consequências devastadoras para todas as formas de vida no planeta.
A questão é que tudo quanto diga respeito ao clima não diz apenas respeito ao clima. Envolve economia, sociedade, saúde, ecologia, o misterioso funcionamento da terra enquanto organismo vivo. O aquecimento global aumentará o fluxo de refugiados econômicos e de guerra. As nações mais prósperas e poderosas, incluindo os Estados Unidos, pagarão um alto preço pela sua persistente indiferença, não apenas de forma indireta, porque terão de lidar com essas sucessivas vagas de refugiados, mas também diretamente. Tragédias como as do Furação Katrina, que em 2005 destruiu Nova Orleans, irão repetir-se e banalizar-se.
Perderemos (estamos a perder) biodiversidade e com isso a comprometer o nosso futuro. As grandes florestas tropicais e outros ecossistemas ainda amplos e preservados constituem imensas farmácias, muito pouco conhecidas e exploradas. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, PNUA, a manter-se o atual ritmo de extinção das espécies a Humanidade perde um medicamento importante a cada dois anos. Só nos Estados Unidos, 56% dos 150 medicamentos mais comuns resultam de descobertas feitas na natureza e não em laboratórios farmacêuticos.
Há quem defenda que esta crise do clima é também uma crise do sistema capitalista. Porém, pensando na China e no ar irrespirável das suas grandes cidades, ou na antiga União Soviética (ah, Chernobil!) e na dramática herança que a mesma deixou, em matéria ecológica, fica claro que os modelos de economia centralizada também não foram capazes de responder positivamente ao desafio.
Os países do norte da Europa, como a Noruega, a Suécia ou a Holanda, estão neste plano muito à frente da maioria. Passei alguns meses em Amsterdã, numa residência para escritores. Na terceira noite bateram-me à porta. Era um policial. Foi muito gentil. Quis saber há quanto tempo eu chegara. Haviam descoberto que eu não separava o meu lixo. Explicou-me como devia fazer, matéria orgânica para um lado, vidro para o outro, papéis num terceiro depósito. Foi-se embora, sorrindo, dizendo que se voltasse seria para me multar. Não voltou, é claro, eu passei a separar o lixo.
Mais do que de um novo modelo político, o que precisamos é de uma ampla revolução de mentalidades. Precisamos de novos cidadãos. Suspeito que só então teremos novos governos. Bem sei que é difícil criar novos cidadãos com os governos arcaicos a que estamos sujeitos — mas é esse o desafio.
José Eduardo Agualusa
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