quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O Estado quebrou

Depois que o leite derrama sempre fica mais fácil identificar as causas da catástrofe; e os espíritos mais propensos a enxergar as coisas sem preconceito ou dogmatismo passam a apontar unanimemente os culpados (líderes, opções ideológicas, técnicas pouco eficientes de gestão, escolhas equivocadas na seleção de políticas de Estado, corrupção, circunstâncias adversas, etc.). No entanto, durante o processo que culminou com o derrame do leite, as opiniões são muito mais controversas e nem sempre o panorama é descortinado com clareza e objetividade.

Estamos exatamente nesse trecho da estrada, com uma aguda crise política e econômica, que lança trevas de incerteza no futuro imediato e atinge fortemente o bem-estar da sociedade. Em resumo: uma catástrofe para os que ficam desempregados, para os que perdem renda, para os desassistidos, para os inadimplentes e também para aqueles que se afligem com o recrudescimento inflacionário, com o sumiço dos investimentos ou com as ameaças de aumento descontrolado dos impostos. Nesse estágio, já se dissemina um diagnóstico predominante e mais compartilhado: o Estado cresceu descontroladamente; sua manutenção ficou caríssima; e esse monstro corporativo, que vê um fim em si mesmo, trata de avançar ainda mais sobre os salários e a renda dos cidadãos que o sustentam.

Mas, nem sempre as coisas foram vistas dessa forma, ainda que o hipertrofismo do Estado já viesse se exibindo há muito tempo. Para ser preciso, as coisas começaram a sair do controle ainda ao tempo da ditadura militar, na década de 1970. Esse crescimento anormal não era muito comentado e sequer observado pela maioria da sociedade. Pelo contrário, os brasileiros acostumaram-se a ver o Estado como um reservatório inesgotável de recursos abundantes e fartos, capaz de tudo prover e a todos distribuir benesses e agrados. Criou-se uma dependência das pessoas em relação a essa super-máquina, que não cria dinheiro e nem produz valor, e cuja manutenção custa cada vez mais à nação. Somente agora, com a apresentação da assustadora conta junto com os seus efeitos perversos na vida dos cidadãos, o panorama passou a ser visto com mais objetividade por uma parcela maior da sociedade. Mas nem por todos, apesar do elevado índice de rejeição dos governantes. Infelizmente, muitos dos que criticam e rejeitam não querem mudar o modelo fatídico: apenas julgam os governantes atuais incompetentes para continuar a distribuir as benesses com que já estavam acostumados e torcem para que apareçam outras fadas benfazejas capazes de restaurar e ampliar a gastança.

Nada como a análise de um exemplo histórico para ajudar na reflexão sobre o tamanho do buraco em que caímos. A cidade de Brasília é um símbolo perfeito do Estado brasileiro. Aliás, foi feita para que as nossas instituições públicas se exibissem em todo o seu esplendor, com palácios belíssimos, monumentos graciosos, sede de ministérios (naquela época eram apenas 17 prédios projetados para abrigar todos os ministérios e repartições importantes), além das outras estruturas funcionais que ainda não haviam sido acrescidas dos muitos e variados anexos e puxadinhos que vieram depois. Não quero aqui – e nem há espaço para isso – analisar os benefícios e os malefícios da construção da nossa bela Capital. Mesmo porque, muitos deles são intangíveis, como o estímulo à interiorização do desenvolvimento econômico e à ocupação territorial. O que interessa nesse exemplo é examinar o esforço financeiro do Estado para construir a cidade em menos de quatro anos, e cotejá-lo com a possibilidade de se reproduzir a aventura no presente.

Ninguém sabe direito quanto custou a construção de Brasília. E muito menos quanto custa atualmente a sua manutenção operacional. Os números que existem são muito controversos e chegaram a envolver, inclusive, estimativas do ex-Embaixador norte-americano, Lincoln Gordon. Aquele diplomata declarou ao Congresso do seu país que os investimentos na urbanização do plano-piloto, na construção dos prédios básicos, do lago e das amplas obras de terraplenagem teriam custado cerca de US$ 1,6 bilhão, em dólares da época. Em moeda de hoje, essa quantia astronômica estaria próxima de US$ 100 bilhões e, se convertida na moeda nacional, implicaria a estratosférica soma de R$ 345 bilhões, ou seja, mais de 6% do nosso enfraquecido PIB. Nunca é demais lembrar, para efeito de comparação, que o polêmico déficit apresentado pela proposta orçamentária enviada recentemente ao Congresso Nacional seria, apenas, da ordem de 0,5% do PIB.

Como conclusão: se quiséssemos ou precisássemos construir uma nova capital hoje, para acomodar o nosso avantajado Estado e suas repartições, não teríamos recursos para nos desincumbirmos da tarefa. A nação apequenou-se e o Estado se expandiu descontroladamente nestes últimos 55 anos.

Rubens Menin

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