Espantosa época a nossa. Os grampos revelam que, no escurinho dos diálogos telefônicos, Lula, agora reassentado na Casa Civil, opera a República sob padrões amorais, convertendo cada gesto num ato de depravação. E a Presidência da República se espanta com o “vazamento”, não com o teor do que foi revelado. É como se o inaceitável tivesse adquirido uma doce, uma persuasiva, uma admirável naturalidade.
Os grampos levaram o estilo de poder petista à vitrine. Ouvindo-os fica fácil perceber que o governo é precisamente o oposto do que diz ser. Os melhores trechos são aqueles em que Lula parece estar fora de si. É nesses instantes que se vê melhor o que ele tem por dentro. A visão é tenebrosa. Vão abaixo quatro exemplos:
— Anormalidade institucional: em 4 de março, numa conversa com Dilma, Lula se queixa da imprensa e da Lava Jato. Reclama da falta de reação. “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado. Somente nos últimos tempos é que o PT e o PCdoB começaram a acordar e começaram a brigar. Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido. Não sei quantos parlamentares ameaçados. E fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e vai todo mundo se salvar. Sinceramente, eu tô assustado com a República de Curitiba.” Na República do faz de conta, o governo apoia as investigações. No país do avesso, Lula deseja que as instituições se rebelem contra a operação que expõe seus podres. Para Lula, o essencial é “achincalhar'' a Lava Jato.
— Lobby no STF: num telefonema de 4 de marco, Lula pede ao ministro petista Jaques Wagner que encomende a Dilma um lobby junto à ministra Rosa Weber, do STF. Ela era relatora de um recurso em que a defesa de Lula pedia que fosssem suspensas as investigações abertas contra ele em São Paulo e em Curitiba até que o Supremo decidisse quem deveria conduzir as apurações, se os promotores do Ministério Público paulista ou a força-tarefa da Lava Jato.
“Mas viu, querido, ela [Dilma] tá falando dessa reunião, ô Wagner, eu queria que você visse agora, falar com ela, já que ela tá aí, falar o negócio da Rosa Weber, que tá na mão dela pra decidir. Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram.”
Na República da fábula petista, o Planalto indica ministros para o STF sem esperar nada em troca. No governo do avesso, Lula e Cia. têm a expectativa de que os escolhidos retribuam a indicação com a toga. Não se sabe se Dilma tentou executar a encomenda. Se tentou, Rosa Weber revelou-se impermeável a pressões. Ela indeferiu o pedido de suspensão dos inquéritos abertos contra Lula. Entendeu que não havia ilegalidade a ser sanada.
— Pressão sobre o procurador-geral: numa ligação de 7 de março, Lula questiona o advogado Sigmaringa Seixas, de Brasília, sobre uma demanda junto a Rodrigo Janot, procurador-geral da República. Sigmaringa recomendava que o diálogo fluísse pelas vias institucionais. Propunha dirigir uma petição ao chefe do Ministério Público.
“Eu não sei o quê que eu pedi pra você de manhã”, diz Lula a Sigmaringa. “Mas era uma coisa simples que não precisava de formalidade.” E o advogado: “Não. Mas simples. Ele vai dizer não. Ele não vai receber. Eu conversei com gente só.” Lula não se deu por achado: “É porque ele recusou quatro pedidos de investigação ao Aécio e aceitou a primeira de um bandido do Acre contra mim.”
Sigmaringa tentou novamente: “Pois é, mas se fizer uma petição…” Lula foi ao ponto: “Essa é a gratidão. Essa é a gratidão dele [Janot] por ele ser procurador…” No governo democrático e popular, o Planalto nomeia como procuradores-gerais os primeiros colocados da lista indicada pela corporação. Faz isso porque valoriza a independência do Ministério Público. No governo do avesso Lula espera que os escolhidos engavetem suas encrencas e persigam seus rivais.
— Fisco e PF companheiros: numa conversa com o ministro Nelson Barbosa (Fazenda), Lula pediu providências para amenizar uma batida que agentes do fisco realizavam junto com uma equipe da PF no instituto que leva o seu nome. Embora estivesse fora do governo, o morubixaba do PT tratou o ministro como um subordinado. E deu a entender que sabia —ou suspeitava— que estivesse sob grampo.
“Ô, Nelson, te falar uma coisa por telefone, isso daqui. O importante é que a Polícia Federal esteja gravando. É preciso acompanhar o que a Receita está fazendo junto com a Polícia Federal, bicho!” Nelson Barbosa titubeia: “Não, é… Eles fazem parte.” Lula atalha o ministro: “É, mas você precisa se inteirar do que eles estão fazendo no instituto. Se eles fizessem isso com meia dúzia de grandes empresas, resolvia o problema de arrecadação do Estado.”
O ministro se finge de morto: “Hummm, sei.” Lula volta à carga: “Sabe? Eu acho que eles estão sendo (e fala um palavrão). Nelson Barbosa torna-se monossilábico: “Tá”. Lula pede ao chefe do fisco que enquadre o subordinado: “Tão procurando pelo em ovo. Eu acho… Eu vou pedir pro Paulo Okamotto botar tudo no papel, porque era preciso você chamar o responsável e falar: porra, vocês estão fazendo o mesmo com a Globo, com Instituto Fernando Henrique Cardoso, o mesmo com Gerdau, o mesmo com o SBT, o mesmo com a Record! Ou só com o Lula?” Quer dizer: na Pasárgada oficial, o rei não tem amigos e os órgãos de controle operam com autonomia. No Brasil do avesso, Lula acha que Receita e PF podem investigar todo mundo, exceto ele.
Ao entregar os destinos do seu governo ao inaceitável, Dilma iguala-se ao criador em abjeção. Sob a alegação de que Lula foi transformada pela ‘República de Curitiba’ em bode expiatório, Dilma trasnforma seu criador em bode exultório, igualando-se a ele em abjeção. Mantidos os padrões revelados nos grampos, ou sucede um milagre ou o último a sair roubará a luz. (abaixo, imagem da multidão que se postou defronte do Planalto para protestar contra a nomeação de Lula, cuja posse está marcada para as 10h desta quinta-feira)
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